O Ministério Público Federal (MPB) na Paraíba ajuizou duas
ações civis públicas com pedidos de liminar para que a Justiça Federal
determine ao condomínio Village Atlântico Sul, à Associação dos Fiscais
de Rendas e dos Agentes Fiscais do Estado da Paraíba (Afrafep), à
Associação Atlética Banco do Brasil (AABB) e à proprietária de uma
residência próxima, Lenora Costa Silveira, que removam as ocupações
irregulares por eles mantidas na área de preservação permanente (APP) do
rio Cabelo, em João Pessoa. As ações foram ajuizadas em 19 de dezembro
de 2016.
Além da remoção imediata, o Ministério Público também
requer que os demandados cerquem a faixa mínima de 30 metros a ser
protegida, conforme a legislação ambiental, para garantir o processo de
recuperação ambiental. Nos pedidos de liminar, o MPF requer que seja
fixada multa diária para cada um dos demandados que deixar de remover a
respectiva ocupação irregular, como indicado pela Secretaria Municipal
de Meio Ambiente (Semam), bem como o cercamento da faixa a ser
protegida. Para o condomínio, pede-se uma multa de R$ 1.000,00. Para a
AABB e Afrapep, o pedido da multa é de R$ 2.000,00. Para Lenora
Silveira, pede-se multa de R$ 500,00. As multas são passíveis de
elevação, caso mantida a postura de inércia dos promovidos, sem prejuízo
de outras medidas compulsórias em caso de ineficácia da multa.
Petição inicial
AABB, Afrafep e Lenora SilveiraRequer-se,
ainda, determinação judicial para que o Município de João Pessoa e a
União adotem providências cabíveis para a remoção das construções
irregulares, elaboração e implementação de plano de recuperação de área
degradada. Além disso, pede-se que a União cancele a inscrição de todos
os demandados, como ocupantes precários de terrenos de marinha, em razão
dos danos ambientais por eles provocados.
As ações foram
ajuizadas a partir do Inquérito Civil nº 1.24.000.000152/2006-19,
instaurado pelo MPF para apurar impactos ambientais no rio Cabelo. O
curso de água nasce nas imediações do Complexo Penal de Mangabeira e
deságua na Praia da Penha, após percorrer cerca de 9,5 quilômetros. O
percurso do rio Cabelo envolve áreas da União, notadamente, nas
proximidades da sua foz, no Município de João Pessoa.
No mérito, o
Ministério Público Federal pede a condenação dos demandados a removerem
todas as construções irregulares na APP do rio Cabelo, restaurar o meio
ambiente degradado e ainda pagar indenização por danos materiais e
morais ao meio ambiente e à coletividade, em valor não inferior a R$ 2
milhões para o condomínio Village Atlântico Sul, R$ 1 milhão para a
AABB, R$ 1,5 milhão para a Afrafep e R$ 20 mil para a proprietária da
residência.
Village Atlântico Sul - O condomínio
foi construído praticamente contíguo ao espelho d’água do rio Cabelo,
em flagrante violação à legislação protetora de margens de rios, em
plena propriedade da União. Em 2009, o Village foi autuado pela Semam
por construir, sem autorização dos órgãos ambientais competentes, um
muro de arrimo “a ponto de sufocar uma das margens do rio”.
Segundo
parecer técnico do órgão ambiental, o muro encontra-se “colado na área
lateral do canal, quando deveria obedecer a um afastamento de, no
mínimo, 30 metros”. O parecer registra que a situação “é agravada pelo
lançamento das águas pluviais de algumas residências do próprio
condomínio “, e também que “foi observado que algumas residências do
condomínio fazem lançamentos de águas servidas no rio”. Ainda conforme o
parecer, as águas despejadas no curso d’água pelas residências do
condomínio “são responsáveis pela instalação e aceleração de processos
erosivos no talude e poluição no rio Cabelo”. As águas servidas
despejadas no leito do rio têm “forte odor característico de
desinfetante”.
No entanto, ao longo de mais de cinco anos, o
condomínio não removeu as ocupações ilícitas, nem a Semam adotou
qualquer medida reparadora efetiva, mesmo com o “patente desinteresse do
condomínio em restaurar a área de preservação permanente destruída”,
relata-se na ação. Além disso, apesar de a Semam ter constatado que a
área de preservação do rio foi invadida por casas do condomínio, ela não
autuou o empreendimento pela invasão, mas apenas em razão do muro de
arrimo.
Em 2011, o MPF expediu recomendação à Semam no sentido
de que promovesse as diligências necessárias para efetivar a autuação do
condomínio Village do Atlântico Sul, fazendo-o recuar os limites das
construções e recompor a vegetação ciliar destruída. Desde então, o
Ministério Público tem solicitado ao órgão ambiental, de forma
insistente, informações a respeito das providências adotadas para
cumprir a recomendação.
No início de 2012, a Semam informou que o
condomínio havia solicitado prazo para apresentar projeto de
recuperação de área degradada. Em setembro de 2014, após o MPF reiterar
as solicitações de informações, a Secretaria limitou-se a pedir
agendamento de reunião, sem mencionar que providências havia adotado. Em
janeiro de 2016, após nova reiteração do MPF, a Secretaria exarou
parecer técnico, confirmando, enfim, a inércia do condomínio quanto à
implementação das medidas determinadas pelo órgão ambiental.
Comprovou-se que, após mais de cinco anos de aviso das violações
ambientais, nenhuma das medidas recomendadas pela Seman tinham sido
realizadas. Ainda em 2012, no curso de um processo administrativo do
órgão ambiental, o condomínio já havia deixado claro que “não considera a
possibilidade de demolição dos domicílios e, consequentemente, o recuo
da APP”.
Afrapep - Em 2012 e 2013, a Semam
autuou a associação dos fiscais por lançar esgotos ‘in natura’ no rio
Cabelo. Outro auto de infração mais antigo havia sido lavrado em 2008,
em razão da Afrafep ter “construído campo de futebol em local
especialmente protegido por lei”. O local, nesse caso, é o próprio leito
do rio que teve o fluxo de água obstruído e canalizado através de
manilhas. A área foi aterrada para permitir a construção do campo de
futebol e de um muro, tudo sobre o leito do rio.
Em 2011, o MPF
recomendou providências à Semam, a qual já havia indicado a necessidade
de remoção do aterro, retirada das manilhas e do muro sobre o leito do
rio, abertura de calha do rio até a largura mínima de 10 metros, recuo
do muro e recuperação da faixa de APP nas margens da calha do rio
Cabelo. As indicações do órgão ambiental incluíam o plantio com espécies
nativas para recomposição da mata ciliar ao longo das margens do curso
d’água, projeto para cercamento de toda a extensão da área da
intervenção, recuo das edificações da faixa de praia para propiciar a
recuperação natural da vegetação pioneira nativa, bem como a
reintegração da área pública. Até 2016, essas medidas ainda não foram
realizadas, conforme parecer mais recente da Semam solicitado pelo MPF.
AABB -
Em 2008, a associação dos bancários foi autuada por lançar para dentro
do Rio Cabelo “produtos químicos (sulfato de alumínio) provenientes da
limpeza de piscinas”, configurando poluição ambiental. Apesar de
claramente ter invadido a APP do rio, a associação não foi autuada pela
Semam por tal infração. Em 2011, parecer técnico do órgão ambiental
atestou a existência de aterro de acesso na faixa da área de
preservação, lançamento de resíduos domésticos, criação de aves
domésticas (ganso e galinhas) nas margens do rio, apropriação de espaço
de uso comum, com cercamento em área de marinha−praia, dentre outros.
No
caso da AABB, o MPF também recomendou à Semam que adotasse diversas
medidas mitigadoras indicadas pelo órgão ambiental, como a retirada das
manilhas e do aterro de acesso à associação; projeto hidráulico para a
abertura da calha do rio até a largura mínima de 10 metros; projeto de
engenharia para construção de uma ponte de acesso elevado sobre o rio;
recuperação de uma faixa de 30 metros nas margens do rio; plantio com
espécies nativas ao longo das margens do rio, dentre outras. Conforme a
Semam constatou, em 2016, a AABB realizou apenas 45% das medidas
mitigadoras dos danos ambientais causados pela associação na APP do rio
Cabelo.
Proprietária da residência - Em parecer
técnico produzido pela Semam, em 2011, constava que a proprietária da
residência próxima à foz deveria recompor a área degradada por ter
ocupado a APP. Trata-se nesse caso de uma residência de menor porte
construída nas margens do rio Cabelo. O parecer constatou lançamento
contínuo de resíduos domésticos, criação de aves domésticas (gansos e
galinhas) nas margens do rio e apropriação de espaço de uso comum com
cercamento em área de marinha-praia.
Também no caso da
proprietária Lenora Silveira, o MPF recomendou, em 2011, que fossem
adotadas as providências indicadas pela Semam para a recomposição da
área degradada, como desocupar a faixa da APP, com eliminação de criação
de animais domésticos e de edificações; retirar a vegetação exótica que
compõe a cerca viva e manter a vegetação nativa nas margens, retirar
cerca que invade a área de marinha, onde circulam os frequentadores da
Praia da Penha, moradores e pescadores locais.
Embora o parecer
da Semam, em 2016, não mencione a atual situação da APP ocupada por
Lenora Silveira, a proprietária do imóvel informou ao MPF que havia
recuado as construções inseridas na área protegida. No entanto, não teve
interesse em firmar termo de ajustamento de conduta, envolvendo
comprovação da reparação integral dos danos causados e possível
indenização compensatória, apesar do longo tempo em que usufruiu da área
degradada em terreno de marinha sob sua posse atual.
Para o
Ministério Público Federal, o presente caso demonstra a fragilidade do
aparato administrativo de sancionamento por danos ambientais, de modo
que, na ausência de providências espontâneas do infrator, o Município
não se valeu ainda de qualquer meio para compelir, concretamente, os
infratores à reparação do dano, fato que serve para estimular novas
degradações, já que o Estado não realiza suas atribuições até as últimas
consequências, deixando praticamente a critério dos violadores corrigir
ou não danos ambientais graves, como observado no presente caso.
Ainda
conforme apontou o MPF, além da obrigação de demolir e de restaurar a
área degradada, deve existir indenização em razão do uso ilegal de área
protegida, sendo, inclusive, a responsabilidade de proteção ao meio
ambiente objetiva, sem quaisquer excludentes. “Sem a imposição de
qualquer indenização por dano material e moral, o infrator se sente
livre para degradar o meio ambiente diante da certeza de que, mesmo que
seja autuado pelos órgãos ambientais, não sofrerá qualquer consequência
por sua conduta ilícita, além das módicas multas administrativas e do
dever de reparar”, alerta o Ministério Público.
Ação Civil Pública nº 0805040-30.2016.4.05.8200 (Condomínio Village Atlântico Sul)
Ação Civil Pública nº 0805042-97.2016.4.05.8200 (AABB, Afrafep e Lenora Silveira)