Acidente aconteceu durante as comemorações do Dia do Soldado e marcou a história da capital paraibana
Cidades | Em 22/08/2015 às 17h20, atualizado em 23/08/2015 às 13h24 | Por Amanda Gabriel
1 - Jorge Andrade (Divulgação); 2 e 3 - Arquivo
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Tragédia na Lagoa completa 40 anos nesta segunda-feira. |
Há exatos 40 anos uma tragédia marcava a história da capital paraibana.
Trinta e cinco pessoas, das quais 29 eram crianças, morreram afogadas
após o naufrágio de uma embarcação na Lagoa do Parque Solon de Lucena.
Era
domingo, dia 24 de agosto de 1975. Centenas de pessoas estavam na área
central da cidade para acompanhar os eventos em comemoração ao Dia do
Soldado. O Exército Brasileiro havia preparado uma exposição de armas,
canhões, viaturas, carros de combate, armadilhas de caça e pesca e
galeria de fotos. Mas a atração que chamava mais atenção do público era
outra: os passeios nas águas da Lagoa a bordo de uma portada.
Por
volta das 17h15, quando a embarcação fazia sua última viagem, houve um
alarme de que estaria entrando água no barco – possivelmente por causa
de aberturas acidentais – o que gerou pânico, segundo nota divulgada no
dia seguinte ao naufrágio pelo 1º Grupamento de Engenharia. O texto
dizia que “um grande número de pessoas deslocou-se para frente da
portada, fazendo com que ela submergisse”.
O jornalista e escritor Gilvan de Brito era repórter do jornal Correio
da Paraíba na época do acidente e fez a cobertura jornalística do
acontecimento. A ele, a versão do Exército não convence.
"Cerca
de 200 pessoas estavam na embarcação, apesar da capacidade dela ser de
apenas 60 passageiros. Além disso, não era uma barca apropriada para
transportar pessoas, mas sim materiais, equipamentos. Nem coletes
salva-vidas os militares disponibilizaram, ou seja, fica claro que o que
houve ali foi uma negligência. Porém, esses detalhes não foram
divulgados na época, já que vivíamos uma ditadura militar e os textos
eram censurados caso desagradassem minimamente o governo", diz.
Em conversa com o Portal Correio,
o escritor relembra as cenas que testemunhou em 24 de agosto de 1975:
“De longe não era possível ver sequer o lastro da embarcação, por causa
do grande número de ocupantes da barca. Quando a embarcação já se
encontrava em um local mais profundo, as pessoas que estavam em terra
começaram a se preocupar porque observaram que o barco estava
desaparecendo. Das margens da Lagoa, ouvíamos apelos e gritos vindos do
barco”, conta.
Gilvan de Brito relata ainda que, ao perceber que o
barco estava afundando, foi até a Rádio Tabajara e lá avisou ao Corpo
de Bombeiros sobre o acidente. "Quando cheguei estava acontecendo a
transmissão do jogo entre Campinense e CSA, de Alagoas. Interrompemos a
narração para comunicar os ouvintes sobre a tragédia e avisamos aos
Bombeiros. Em poucos minutos eles chegaram à Lagoa e começaram o resgate
das vítimas", lembra.
Policiais militares e pessoas que
observavam o passeio também atuaram na operação. A dona de casa Claudecy
Ventura, de 57 anos, estava entre as testemunhas da tragédia. Ela
recorda o clima de desespero que tomou conta dos presentes no Parque
Solon de Lucena.
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Foto: Apenas um bote inflável prestava socorro às vítimas; multidão observava a operação
Créditos: Arquivo/Jornal Correio da Paraíba |
“Havia
muita gente no entorno da Lagoa. Pessoas que já estavam lá acompanhando
o passeio e outras que foram ao local depois de ficar sabendo do
acidente. A todo o momento era possível ouvir gritos de pessoas que
haviam perdido entes queridos na tragédia. E mesmo quem não conhecia as
vítimas ficou bastante comovido, principalmente durante a retirada dos
corpos da Lagoa. Foi uma cena muito impactante”, lembra.
Entre as
vítimas fatais estava uma vizinha dela e o sargento Reginaldo Calixto,
com quem tinha amigos em comum. Ele trabalhava no resgate das vítimas
quando foi agarrado por uma jovem e acabou se afogando. Antes de morrer,
o militar conseguiu salvar três crianças. O comandante da barca,
sargento Edesio Basseto, e o soldado do Exército Carlos Alberto Nóbrega
também morreram no acidente.
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Foto: Morte dos policiais militares foi destaque no Correio da Paraíba
Créditos: Arquivo/Jornal Correio da Paraíba |
Luto
Por
causa do clima de comoção que tomou conta da cidade, autoridades
decretaram luto oficial. Naquele ano, não houve o tradicional desfile
cívico em comemoração à Independência do Brasil. A decisão foi tomada
pelo governo do Estado Guarnição Militar, Secretaria da Educação e
Cultura e Polícia Militar.
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Foto: Autoridades decretaram luto oficial e cancelaram desfile de 7 de setembro
Créditos: Arquivo/Jornal Correio da Paraíba |
Além
do luto, o medo de uma nova tragédia atingiu os pessoenses. "Na época
existia um projeto de implantação de pedalinhos na Lagoa, mas isso
assustou muito as pessoas. Era falado que um novo acidente iria ocorrer e
fazer mais vítimas naquele local. Depois de uma certa polêmica,
acabaram desistindo do projeto", destaca Gilvan de Brito.
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Foto: Arranjo de tábuas onde os pedalinhos iriam aportar foi chamado de "Plataforma para Morte" pela população
Créditos: Arquivo/Jornal Correio da Paraíba |
Justiça
De
acordo com documento divulgado em 2011 pela Comissão de Gestão
Documental da Justiça Federal na Paraíba, familiares das vítimas
entraram com ações judiciais, visando ao recebimento de indenizações. O
direito à reparação foi reconhecido nas decisões dos juízes Francisco
Xavier Pinheiro e Ridalvo Costa, que responsabilizaram a União pelo
acidente.
“As
sentenças fundamentaram-se na teoria da responsabilidade civil objetiva
com base no risco administrativo. Para essa teoria é exigida apenas a
prova do dano, sem concurso da vítima, provocado por preposto da pessoa
jurídica de direito público. A União foi condenada ao pagamento de
pensões, segundo critérios definidos em cada situação”, explica o
relatório.
Marco histórico
Para o
jornalista Gilvan de Brito, não há dúvidas de que o naufrágio na Lagoa
figura entre as maiores tragédias já registradas no estado. "Vejo esse
como um dos casos mais emblemáticos da nossa cidade. Em termos de
dimensão e comoção popular, talvez perca apenas para uma epidemia de
cólera, que vitimou cerca de 40 mil pessoas em todo o estado, em meados
de 1856".
Ele lembra que o acontecimento foi destaque nos
principais jornais e revistas do país. "No mesmo dia do acidente enviei
uma matéria para o Diário de Pernambuco e eles tinham uma agência de
notícias, então rapidamente vários outros veículos tomaram conhecimento
da tragédia e enviaram seus repórteres para cá. Folha de S. Paulo, O
Globo, Veja e Manchete foram alguns dos veículos que cobriram esse
fato", conta.
O naufrágio na Lagoa do Parque Solon de Lucena
também foi relatado no livro 'Opus Diaboli - A Lagoa e Outras
Tragédias', escrito pelo jornalista e lançado em 2011.