segunda-feira, 3 de abril de 2017

'Lixo me deu o luxo', diz sucateira da PB que levou latinhas para formatura

03/04/2017 12h22 

Luciene Gonçalves, de 35 anos, fez surpresa para família em Sousa.

Divulgação/David Silva
"Quando eu estava descendo as escadas eu pensava: 'o lixo desse povo está fazendo
eu descer essa escada", revelou



A conclusão do ensino superior é uma grande conquista na vida de qualquer pessoa. Digna de uma grande festa para marcar este momento. Pensando nisso, e em fazer uma surpresa para a família durante sua formatura no sábado (1º), a paraibana Luciene Gonçalves, de 35 anos, natural de Sousa, no sertão do estado, decidiu mostrar o orgulho de seu trabalho na festa do curso de Serviço Social. A sucateira desceu as escadas carregando latinhas vazias, que representaram sua fonte de renda para conseguir bancar os estudos em uma faculdade privada da região. A foto da moça viralizou nas redes sociais no final de semana, e vem recebendo comentários cheios de reconhecimento e felicitações.

"Vi que ali era um momento único na minha vida. Por causa da minha idade, porque entendia que seria difícil fazer outro curso, porque tenho filhas. Ali era meu orgulho, meu momento", afirmou Luciene. Ela disse que quis fazer uma surpresa para seu marido, filhas e sua família, para deixar tudo ainda mais marcante. Sobre a foto viralizar nas redes sociais, ela “não imaginou que teria toda essa repercussão”.

A formatura sempre foi um sonho da sousense, que inclusive participou da comissão de formatura - grupo de alunos responsável por também preparar a festa - e foi uma das que mais encorajou os colegas de turma a realizarem o grande evento.

A assistente social diz não sentir vergonha de trabalhar com lixo, e em nenhum momento da fase acadêmica se sentiu inferiorizada por isso. "Quando eu estava descendo as escadas eu pensava: 'o lixo desse povo está fazendo eu descer essa escada", revelou. “O lixo me deu o luxo de estar ali”, concluiu.

(Foto: Samy Play/AgitosPlay)
Sucata e rotina
Segundo Luciene, ela trabalha com sucata há sete anos. Junto com seu marido, Pedro Filemon, também de 35 anos, decidiu colocar a reciclagem após insistência de sua parte. Ele tinha medo do comércio não dar certo, e para ela, que contou ser positiva, não houve dificuldades e enxergou na reciclagem uma forma de renda para sustentar sua família. “Quando quis fazer a faculdade ele também disse que não ia dar certo. Mas eu insisti, sei como é importante ter educação”, afirmou.

Como todo panorama da economia, a crise afetou o negócio de Luciene e colocou em risco sua graduação. “Tinha mês que atrasava [a mensalidade]. Cidade pequena, muitos concorrentes, a crise. Mas a gente corria atrás”, disse a mãe de duas filhas, uma de 14 e outra de 12 anos.

A rotina de Luciene era frenética. Trabalho, família, faculdade. “Era muito difícil, eu ia correndo [após sair do trabalho] para a faculdade. Às vezes tinha dez ou quinze minutos para me arrumar e ir para a aula. Cheguei a dormir na aula por causa do cansaço, mas eu estava lá. Eu sonhava com esse curso”, relatou de forma emocionada.

Um problema de saúde do seu pai também surgiu em meio a toda essa rotina. Ele precisou iniciar hemodiálise - método de filtração do sangue por meio de um rim artificial -, um processo doloroso e repetitivo, e ficou sob os cuidados de Luciene. Segundo a sucateira, ela já chegou a fazer prova chorando por causa do estado de saúde do seu pai. Suas filhas, Hilda Maria, de 14 anos, e Camilly, de 12 anos, também nunca deixaram ela desistir. “Elas sempre me apoiaram e nunca me deixaram pensar em desistir”, exaltou.



Vergonha. Palavra que sempre é pauta na vida de Luciene. “Você não tem vergonha de trabalhar com lixo?”, “você não sente vergonha de estar no chão com seus empregados?”, são algumas das perguntas que ela revelou ouvir. Os questionamentos são respondidos com o mesmo orgulho de quem desceu as escadas com latinhas. “Eu não tenho vergonha. Não posso ter vergonha de onde tiro meu sustento. Trabalho como todos”, contou.

Sucateira ou assistente social
Luciene quer seguir na área de reciclagem e continuar gerenciando sua sucata. Porém, também almeja atuar como assistente social. “Quero comprar meu lixo de dia e ser do serviço social de noite”, resumiu.




“Se me perguntarem o que eu sou, vou dizer que sou uma sucateira - e com orgulho - e depois vou dizer que sou uma assistente social”, afirmou Luciene.

Luciene Gonçalves já possui mais dois comércios, além da sucata onde tudo começou, e agora está graduada em Serviço Social. “Nunca tive medo de enfrentar nada”, finalizou.

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