'Sou capaz de largar tudo para ir catar latinha na rua', diz sucateira que se formou em Serviço Social.
Por Artur Lira, G1 Paraíba
As fotos e vídeos da paraibana Luciene Gonçalves descendo as escadas no
seu baile de formatura carregando latinhas tomaram as redes sociais
desde o sábado (1º). Se as imagens já chamam a atenção, a história de
vida da sucateira de 35 anos serve como exemplo de dedicação e
superação.
A descida com latinhas não era em vão. Foi a forma que ela encontrou
para homenagear o marido, também sucateiro. Ela se formou em Serviço
Social pagando os quatro anos de faculdade com o dinheiro que conseguia
com a venda de reciclagem. Ela se formou em uma faculdade particular de
Sousa, no Sertão paraibano, onde mora com a família.
Estudos interrompidos
Mãe aos 20 anos, Luciene terminou o ensino fundamental e deixou os
planos de estudar de lado para trabalhar e ajuda a sustentar a família.
Atualmente ela tem duas filhas, sendo uma de 14 anos e outra de 12.
A profissão de sucateiros do casal foi herdada do avô de Pedro Filemon,
35 anos, o marido de Luciene. “O avô do meu marido tinha um depósito de
reciclagem. Com um tempo a gente percebeu que ele [o avô] já estava
ficando cansado, por causa da idade, e decidimos começar a entrar no
negócio”, disse ela.
Quase dez anos após concluir o ensino médio, longe dos livros e
dedicando-se apenas ao trabalho, Luciene decidiu voltar aos estudos e
realizar o sonho da graduação. A escolha do curso não foi tão difícil.
“Serviço Social foi feito pra mim. Eu gosto muito de ajudar as pessoas. E depois que entrei no curso e fiz estágios, tive a certeza de que aquilo foi feito pra mim”, diz.
Sonho da família
A sucateira não sonhou com a graduação sozinha. Quando decidiu fazer o
curso ela também estimulou o marido a estudar junto para tentar uma
graduação. Ele escolheu o curso de administração e também entrou na
faculdade na mesma época que Luciene. Os dois foram aprovados na mesma
seleção.
“Minha família me estimulou e eu também incentivei meu marido. Passamos
noites e noites estudando e treinando redação. Não foi fácil, depois de
tanto tempo voltar a estudar”, conta ela.
Durante os quatro anos de curso, conseguir o dinheiro das mensalidades
exigiu esforço e sacrifício. Cada centavo era contado. Conciliar
trabalho, família e estudo foi outro desafio. Mas a situação ficou
complicada mesmo no último ano de curso. Há nove meses, o pai de Luciene
começou a enfrentar problemas renais e passou a fazer sessões de
hemodiálise.
“Eu também tive que organizar o tempo para levar meu pai para as
sessões, todas as semanas, na terça-feira, quinta-feira e sábado. Mas eu
nunca desanimei. Às vezes chegava na sala de aula chorando, mas também
encontrei amigas que foram como irmãs, que me apoiaram. Essa foi a época
mais difícil, pois ocorreu quando eu já estava fazendo meu trabalho de
conclusão de curso”, disse Luciene.
Festa exclusiva para Luciene
Luciene e Pedro entraram na faculdade juntos e terminaram o curso
juntos, mas apenas Luciene teve festa de formatura. “Meu marido abriu
mão de fazer a formatura dele para que fosse feita a minha. Este também
foi mais um motivo para homenagear ele. Eu não fiz isso para aparecer.
Eu quis homenagear e confesso que estou um pouco surpresa com a
repercussão que está tendo”, conta ela.
Agora formada, Luciene disse que deseja um emprego na área, mas
confessa que ama trabalhar como sucateira. “Por mim, eu trabalhava de
dia com sucata e de noite como assistente social. Eu quero crescer na
vida, mas nunca esquecer minhas origens. E se um dia for necessário eu
sou capaz de largar tudo pra ir catar latinha na rua. Não tenho
vergonha, pois foi com o dinheiro da reciclagem que eu sustentei minha
família”, conta ela.
Exemplo de vida e inspiração para as filhas que já estão concluindo o
ensino médio, Luciene disse que seu grande segredo é não perder tempo,
reclamando dos problemas da vida. “E eu sempre digo ao meu marido que
não reclame, pois quem reclama não sai da lama. Eu tinha que ser alguém
na vida, não ser só sucateira, mas ter um curso superior pra dar exemplo
para as minhas filhas. Tem gente que trabalha em escritório e diz que
não tem tempo para estudar. Eu trabalho dentro da sujeira e pra mim não
faltou garra pra terminar meu estudos. Tem gente que reclama de barriga
cheia”, disse Luciene.
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