Em
5 anos, quase 80% das cidades da região decretam emergência ou
calamidade por seca. G1 conta o que os habitantes de cada um dos nove
estados do Nordeste fazem para sobreviver.
Gado morrendo. Barragens sem uma gota de água. Rio virando mar. É tanta
secura que até os cactos estão sentindo. Para quem passa despercebido
pelo interior do Nordeste, o horizonte seco e monocromático pode parecer
o mesmo de sempre, mas um segundo olhar revela os açudes vazios, a
terra rachada e as carcaças dos animais.
É a seca. Mas não uma seca qualquer. Desde 2012, a região passa por
poucas chuvas, perdas de safras e baixa vazão de água nos rios, e está
caminhando para o sexto ano seguido de estiagem severa em 2017.
Neste período, quase 80% das cidades do Nordeste decretaram estado de
emergência ou de calamidade por seca ou por estiagem pelo menos uma vez,
segundo levantamento feito pelo G1 com base em dados
do Ministério da Integração Nacional. Em quatro dos nove estados da
região, o percentual de cidades com decretos é superior a 90% nestes
cinco anos.
No Piauí, com alarmantes 98,2%, apenas quatro cidades não entraram em
emergência. Já no Ceará, as precipitações estão tão baixas que a
Fundação Cearense de Metereologia e Recursos Hídricos (Funceme) crava: é
a pior seca da história do estado. "É uma seca agrícola, uma seca
hidrológica. A água que entra nos reservatórios não é suficiente para
repor as necessidades das pessoas", afirma Eduardo Martins, presidente
da fundação.
O Monitor de Secas, um programa que acompanha as condições de seca no
Nordeste com o apoio de instituições como a própria Funceme, mostra que,
em fevereiro de 2017, as chuvas conseguiram abrandar a gravidade da
situação em relação a meses anteriores, principalmente em estados mais
ao norte, como o Maranhão. Mas o mapa segue majoritariamente vermelho
intenso, indicando a existência de seca extrema e excepcional em grande
parte do Nordeste.
Um fraco La Niña no final do ano passado trouxe a expectativa de chuva
em 2017, mas, segundo o professor Humberto A. Barbosa, coordenador do
Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis)
da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), a temperatura da superfície
do Pacífico equatorial encontra-se em elevação desde janeiro, o que pode
indicar novos períodos de seca pela frente.
“Essa característica oceânica indica possibilidade de ocorrência de El
Niño, fenômeno diretamente ligado às secas no Nordeste brasileiro.
Embora as projeções não sejam consensuais, as tendências indicam que, no
período de abril a junho, o El Niño possivelmente influenciará no clima
do Nordeste brasileiro, ocasionando mais secas”, afirma.
E, segundo Eduardo Martins, se as condições metereológicas
desfavoráveis continuarem, as preocupações dos especialistas já se
deslocarão para a fase chuvosa de 2018.
"É um problema contínuo. Tem que ter uma visão de médio e longo prazo.
Não tem que pensar só no atendimento naquele momento. A gente pode ser
surpreendido", afirma. "Precisamos pensar em um programa de eficiência
ligado à água, para ter transferências entre reservatórios, para
diminuir os percentuais de perda. Também é preciso trabalhar mais com
culturas de ciclo curto, que não são tão vulneráveis ao clima. Além
disso, há uma ausência de esforço de comunicação com a população para
diminuir o desperdício. Na região litorânea, com grandes cidades, as
pessoas não percebem a gravidade da situação."
Mas o que os números e os estudiosos não mostram, apenas indicam, é o
sofrimento do povo do semiárido nordestino, que enfrenta com força,
resiliência e, muitas vezes, com desespero, as consequências da seca.
O G1
mostra, em uma série de reportagens, uma pequena amostra da realidade
vivida por esse povo - e as muitas saídas que encontra para conseguir
sobreviver. Confira as histórias, contadas em cada um dos nove estados
do Nordeste brasileiro.
Alagoas
Morar à beira do Rio São Francisco poderia ser considerado um
privilégio por pescadores, mas um fenômeno conhecido como salinização
tem provocado uma mudança na rotina de ribeirinhos de Piaçabuçu, em
Alagoas. A seca fez a hidrelétrica de Sobradinho, na Bahia, reduzir a
vazão ao menor nível da história. Com menos água no leito do rio, o
reflexo é sentido na foz do São Francisco, onde o mar avança cada vez
mais, tornando salgada a água doce. Por conta disso, os ribeirinhos
navegam até seis horas para levar água potável para casa.
Bahia
De um lado, o solo árido não permite que as plantações vinguem; de
outro, animais debilitados por fome e sede se reduzem a carcaças. É
nesse cenário que seu Antônio, de 70 anos, cuida do único cajueiro que
sobreviveu à estiagem e dos mandacarus, que servem de alimento para seus
animais. Não muito longe dali, Bernadete, de 46 anos, também é um dos
mais de 4,1 milhões afetados pela seca no estado. Para conseguir manter
os cinco filhos vivos, usou a água suja e esverdeada de um tanque
durante meses. "Tem gosto de pé de animal", diz.
Ainda no interior da Bahia, a estiagem transformou o polo mundial de
sisal em um "cemitério verde" e acabou com o sustento de muita gente. É o
caso de Zé Maria, que há décadas vive da sua roça. É com nostalgia,
porém, que, agora, percorre o solo ressecado pela falta de chuva.
"Quando entra a seca, acaba tudo."
Ceará
Além de perder as plantações e sofrer com a falta de água, a população
do Ceará ainda enfrenta outro problema: golpes que desviam serviços,
benefícios e verbas que iriam para os flagelados pela pior seca do
estado em 100 anos. Depois de penar com a família para conseguir poupar,
Francisco de Assis de Freitas, de 55 anos, entregou R$ 100 para um
homem que dizia ser do governo e que faria um seguro de safra. Depois de
entregue o dinheiro, porém, o homem sumiu. Já Maria Fernandes da Silva
entregou R$ 30 para um suposto agente do Bolsa Família que prometia
aumentar o benefício. "Ele enganou mais de 15 pessoas com esse
cadastro", lamenta.
Maranhão
Depois de ter seca considerada extrema em mais da metade do seu
território, o Maranhão encontrou alívio com as chuvas dos primeiros
meses de 2017. Por ter parte do seu bioma na região amazônica e
precipitações mais generosas, o Maranhão foi o estado com menos cidades
com decreto de calamidade ou emergência por causa da seca que atinge o
Nordeste nos últimos cinco anos.
Paraíba
Além da seca, que já vem afligindo os paraibanos há cinco anos, outro
problema ameaça o solo e a vegetação do estado. Só que, desta vez, o
processo é irreversível. A Paraíba é o estado brasileiro mais afetado,
proporcionalmente, pela desertificação - processo de degradação
ambiental que torna as terras inférteis e improdutivas. Isso faz com que
a população ocupe novos territórios em busca de sobrevivência.
Pesquisadores apontaram que, desde 2010, a seca tem contribuído para a
expansão das áreas susceptíveis à desertificação.
Pernambuco
O pernambucano Roberval Germano, de 39 anos, só tem um desejo: a
chegada da chuva. Vivendo da cana durante toda sua vida, ele reza para
que a seca que castiga os canaviais da região da Zona da Mata não seja
capaz de cessar a sua única fonte de renda. A situação é a mesma no
Agreste do estado, onde o agricultor Luiz Carlos Silva, que sempre
sustentou a família com plantações de milho e feijão, não sabe mais o
que fazer. "Não tem água. Não tenho onde plantar", diz, lamentando o
solo seco e rachado que predomina na barragem de Jucazinho há meses.
O casal Manoel e Maria Gercília apenas não compartilha as angústias de
Roberval e Luiz Carlos por causa da instalação de um sistema, o bioágua,
que reaproveita a água usada no chuveiro e na pia da cozinha para
irrigar suas plantas. Em meio à secura, eles produzem acerola, goiaba,
banana, pinha e romã.
Piauí
Com reservatórios secos, a população de Pio IX sofre as consequências
da estiagem. Na zona rural, o abastecimento das cisternas é feito por
caminhões-pipa, que demoram dois meses para retornar a uma localidade.
Por isso, os moradores pagam R$ 1 por um balde de água e até R$ 130 por
uma carrada (cerca de 8 mil litros) para conseguir sobreviver. Enquantos
uns sofrem, porém, outros sertanejos lucram com poços particulares. As
vendas estão tão favoráveis que o empresário Aldemar Arrais pretende
abrir um clube com piscinas. "Nem vejo lucro, mas uma opção de lazer
para a população de Pio IX, que sofre tanto com a falta de água", diz.
Rio Grande do Norte
Pela primeira vez na história, Natal passa por um racionamento de água.
O rodízio atinge cerca de 70% dos 350 mil habitantes da Zona Norte da
cidade, a região mais populosa da capital. “Nunca vivemos uma coisa
dessas, a gente não tem água”, diz dona Francisca Ferreira, de 65 anos.
Moradora de uma casa simples, ela depende de uma vizinha que tem um poço
e revende água. O racionamento a obriga a escolher o dia que lavará
roupa, o dia que tomará banho e o dia que terá água potável para beber.
Sergipe
No Baixo São Francisco, a seca mexe com a rotina dos ribeirinhos, que
pouco a pouco acompanham o desaparecimento de importantes reservas
hídricas. Se a natureza dá sinais de cansaço, a fé entra como último
recurso para amenizar o sofrimento. O jovem Haleph Ferreira resolveu
fazer uma oração às margens da Lagoa Salomé, pedindo a intercessão de
Nossa Senhora Aparecida para mudar o cenário da seca. Com a água
baixando, os peixes estão morrendo.
Fonte
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