Uma coruja e duas espécies da ordem dos Passeriformes não são mais encontradas no trecho de mata atlântica que vai de Alagoas ao Rio Grande do Norte
MARCOS PIVETTA |
Edição Online 23:21 8 de agosto de 2014
Procuram-se exemplares de caburé-de-pernambuco, gritador-do-nordeste e
de limpa-folha-do-nordeste. Encontradas apenas no chamado Centro
Pernambuco de Endemismo (CPE), nome dado a uma estreita faixa de mata
atlântica ao norte do rio São Francisco que corta os estados de Alagoas,
Pernambuco, Paraíba e o Rio Grande do Norte, essas aves raras sumiram
das câmeras e gravadores dos ornitólogos faz um bom tempo. Não há
notícias recentes delas. Há 12 anos, ninguém avista ou grava o canto de
um caburé-de-pernambuco (Glaucidium mooreorum), uma corujinha
que mede 14 centímetros e exibe pintinhas no alto da cabeça e na nuca.
Faz sete anos que houve o último registro conhecido de um
gritador-do-nordeste (Cichlocolaptes mazarbarnetti) e três do limpa-folha-do-nordeste (Philydor novaesi),
duas espécies muito parecidas da ordem dos Passeriformes, os populares
passarinhos, com cerca de 20 centímetros de comprimento.
Diante dessa situação, um grupo de dez pesquisadores radicados no Brasil acaba de publicar um artigo na revista científica Papéis Avulsos de Zoologia
em que defendem a ideia de que as três se extinguiram. Embora a rigor
se deva esperar 50 anos após o último registro de uma ave para
considerá-la oficialmente extinta, os especialistas acreditam que não há
outra explicação para o sumiço das três espécies. “Com os dados que
temos, não há infelizmente outra conclusão possível” diz Luís Fábio
Silveira, curador da seção de ornitologia do Museu de Zoologia da
Universidade de São Paulo (MZ-USP), um dos autores do trabalho. “Essas
são as primeiras aves endêmicas brasileiras cuja extinção é registrada
em tempos modernos, desde que a pesquisa nessa área se estabeleceu no
país.” Por tempos modernos, entende-se depois do século passado. Antes
dessas três aves do CPE, havia o registro da extinção de outras duas
espécies nesse período, mas que não eram endêmicas do Brasil: o
maçarico-esquimó (Numenius borealis), ave migratória originária da América do Norte que passava pelo Brasil até os anos 1940, e a arara-azul-pequena (Anodorhynchus glaucus), que era encontrada na Argentina, Uruguai, Paraguai e Sul do Brasil até o final do século XIX.
No artigo, os pesquisadores analisaram o status de conservação de 16
espécies de aves do CPE, considerada a região nacional com maior número
relativo de aves em perigo de extinção e uma das áreas com a maior
concentração de espécies ameaçadas em todo o mundo. Quinze dessas
espécies eram consideradas ameaçadas de extinção pela lista vermelha da
União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em
inglês). O trabalho levou em conta os dados obtidos nos últimos 11 anos
em coletas pontuais ou sistemáticas nos remanescentes de floresta na
região.
O desmatamento histórico e progressivo da mata atlântica nesse trecho
do Nordeste, em especial devido à presença secular do cultivo da
cana-de-açúcar, é apontado com uma das principais causas do
desaparecimento da corujinha e dos dois passarinhos. Hoje restam apenas
2% da área original de floresta, o hábitat por excelência dessas aves,
em geral fragmentos de mata de pequeno porte. Metade dos fragmentos tem
menos de 10 hectares e poucos tem mais de mil hectares. Dois desses
oásis de verde são a Mata do Quengo, um trecho de 500 hectares de mata
dentro de uma reserva privada no sul de Pernambuco, e a Estação
Ecológica de Murici, no noroeste de Alagoas, com 6.116 hectares. Até uns
poucos anos atrás, todas as espécies ameaçadas de extinção do CPE ainda
eram achadas dentro desses dois grandes trechos de mata. Agora, como
atesta o trabalho dos pesquisadores, ao menos três delas desapareceram
inclusive desses locais.
Para piorar o problema, as florestas remanescentes nem sempre
apresentam as mesmas características das matas originais. “Muitas vezes
são hábitats degradados pelo uso do fogo e extração de madeira”, afirma o
biólogo inglês Alexander C. Lees, do Museu Paraense Emílio Goeldi, que
estuda o impacto das mudanças no uso da terra sobre as aves, outro autor
do trabalho. “É muito difícil encontrar uma mata madura, original,
aqui nesta região”, diz o ornitólogo Glauco Alves Pereira, aluno de
doutorado da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), que é o
primeiro pesquisador a assinar o artigo na Papéis Avulsos de Zoologia.
“É praticamente tudo vegetação secundária.” Há ainda a questão do
desequilíbrio ecológico na cadeia alimentar que rege as relações entre
as espécies animais da região. Com a diminuição no número de grandes
predadores, os pequenos predadores passaram a ter um cenário mais
tranquilo e, assim, passaram a atacar com maior constância os ninhos das
aves, segundo Lees.
Um aspecto das extinções entristece ainda mais os pesquisadores:
aves que desapareceram tinham sido descobertas há pouco tempo. O
limpa-folha-do-nordeste foi identificado em 1979 e o
caburé-de-pernambuco, em 1980. O caso do gritador-do-nordeste é ainda
mais dramático. Apenas neste ano, um estudo determinou que ele era uma
espécie diferente do limpa-folha-do-nordeste. “Não tivemos nem tempo de
estudar direito essas aves” afirma Silveira. A única saída para evitar
mais extinções de aves é proteger os remanescentes de mata atlântica e,
talvez, tentar reproduzir em cativeiro algumas das espécies em estado
mais críticos para que elas possam retornar à natureza quando os seus
hábitats estiverem restaurados, dizem os pesquisadores. Caso contrário,
as outras 13 espécies ameaçadas de extinção do Centro Pernambuco de
Endemismo, como o mutum-do-nordeste (Pauxi mitu) e choquinha-de-alagoas (Myrmotherula snowi), podem engrossar a lista negra dos desaparecidos, que agora inclui a corujinha e dois passarinhos.
Artigo científico:
PEREIRA, G. A. et al. Status of the globally threatened forest birds of northeast Brazil. Papéis Avulsos de Zoologia. v. 54, n. 14, p. 177-194. 2014.
PEREIRA, G. A. et al. Status of the globally threatened forest birds of northeast Brazil. Papéis Avulsos de Zoologia. v. 54, n. 14, p. 177-194. 2014.
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