segunda-feira, 28 de julho de 2014

Parque do Jacaré continua sem projeto

Gestores públicos e especialistas afirmam que falta de planejamento urbano e sustentável prejudica potencial turístico do local 


 

Kleide Teixeira
Local atrai mais de 12 mil visitantes na alta estação. Por irregularidades, empreendimentos são alvo de ação no MPF

Um dos cartões postais mais visitados por turistas, o Pôr do Sol do Jacaré, às margens do Rio Paraíba no município paraibano de Cabedelo, funciona há pelo menos uma década sem qualquer projeto hidrossanitário e de urbanização. Tampouco foi erguido no local, até hoje, um projeto de gestão pública que explorasse o potencial turístico, respeitando o meio ambiente local, como já existem em outras cidades do país, como forma de agregar valor aos produtos e serviços comercializados.
 
Para se ter uma ideia do improviso e precariedade, os donos de bares, restaurantes e lojas de artesanato sequer possuem ainda alvará de funcionamento e não pagam qualquer tributo pelo uso do local. Além disso, os estabelecimentos infringem regras ambientais básicas e não seguem um sistema ordenado de ocupação.
 
Mesmo funcionando fora dos parâmetros legais e atrativos, o local atrai a visitação de mais de 12 mil pessoas na alta estação, segundo estimativa conservadora da associação local.

O que não se explica até agora é o porquê deste ponto turístico de potencialidade comprovada funcionar excluído de um sistema de turismo sustentável, que gere riquezas para gestores públicos e a população. Sem registro legal para funcionar, as dezenas de empreendimentos que funcionam no Parque Municipal do Jacaré não contribuem com qualquer tipo de imposto. O que representa prejuízos para os cofres públicos e mais ainda para o local, que fica sem recursos para investimentos.
 
O secretário de turismo da Prefeitura de Cabedelo, Omar Gama, estima que, da forma como funciona atualmente, apenas 20% do potencial turístico do Jacaré seja explorado. Mesmo sendo subutilizado, o local gera dois mil empregos diretos.
 
“Indiretamente, o local chega a gerar dez mil trabalhos no Jacaré. O número de visitantes na alta estação chega a 12 mil pessoas e na baixa são cerca de seis mil”, afirmou o presidente da Associação dos Bares e Restaurantes da Praia de Jacaré e diretor de imprensa da Comissão Representativa de Bares e Restaurantes, Comerciantes e Ambulantes da Praia do Jacaré, Leonardo Mendes, dono do Bombordo Bar, um dos cinco estabelecimentos que estão localizados sobre o espelho d’água do Rio Paraíba e que o Ministério Público Federal (MPF) determinou, este mês, a retirada.
 
Mais do que um 'paraíso fiscal', o Pôr do Sol do Jacaré pode ser considerado o sonho dourado de qualquer empresário. Alguns trâmites burocráticos para formalizar um negócio na área são simplificados. Para se instalarem no Jacaré, alguns empreendedores pagam aluguéis, têm a cessão (doação) do terreno ou compraram a área de antigos ocupantes. Daí por diante, investem no negócio e cobram pelos serviços prestados a preços normais de mercado.

Com a ausência de alvará de funcionamento, não se sabe ao certo quantos empreendedores se incluem no perfil de micro, pequeno ou grande empresário. Mas nos restaurantes o menu serve de peixes, passando por refeições completas e até petiscos de camarões. Nas lojas de artesanatos não faltam souvenirs para visitantes locais ou estrangeiros.
 
“Como é que você pode cobrar tributo sem licenciar? Estamos aguardando a liberação da licença ambiental de um projeto de reurbanização e hidrossanitário do Parque Municipal do Jacaré, que foi aprovado pelo Comitê Gestor do Projeto Orla, mas que ainda está sob avaliação da Sudema”, justificou o empresário Leonardo Mendes.
 
Para os especialistas e turismólogos, a área tem grande valor turístico para a Paraíba. “O potencial é enorme, logo, muito relevante para a Paraíba e Cabedelo, porém em bases sustentáveis. Vale dizer que a rentabilidade econômica do lugar deveria beneficiar de forma mais isonômica a população, coisa que não vem acontecendo a partir do fato de os estabelecimentos não recolherem impostos”, alertou o professor doutor André Piva, coordenador do Programa de Pós-graduação em Turismo de Base Local da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
 
Além da desobrigação tributária, os empreendedores não cumprem as determinações da legislação do âmbito ambiental.
 
“Eles estão ocupando Área de Preservação Permanente [APP], que é extremamente restrita pela legislação. Os empreendimentos do Jacaré não têm licença ambiental para funcionar e trata-se de uma atividade muito poluidora, onde não há rede de coleta de esgoto. Os resíduos gerados nas cozinhas e banheiros são lançados no meio ambiente”, afirmou o superintendente do Ibama na Paraíba, Bruno Faro Eloy Dunda.
 
A Superintendência da União na Paraíba (SPU), Daniella Bandeira, afirmou que desde 2011 o órgão vem alertando e notificando os ocupantes do Jacaré para que se legalizem, mas até agora não houve evolução neste sentido. Ela alertou que o funcionamento das empresas era para ter sido precedido de abertura de licitação por parte do poder público, fato que nunca ocorreu. “O poder público já teve tempo promover o reordenamento dessa área, mas eles continuam lá de forma irregular”, argumentou Daniella.
 
Para o professor André Piva, assim como outros pontos turísticos da Paraíba, o Parque Municipal do Jacaré recebe ações estruturantes paliativas dos gestores públicos. “O Jacaré não foi alvo de um planejamento adequado, exequível e com chance de ser bem aproveitado, assim como quase todos nossos outros produtos turísticos. Logo, ações estruturantes chegam tarde e de forma paliativa. As políticas públicas seguem a lógica do capitalismo global destinada ao turismo, não pensam na sustentabilidade”.
 
O jornalista e pesquisador Wills Leal vai mais além e faz duras críticas à forma como a área é tratada.
 
“Desde sua improvisada e ilegal implantação até hoje este excepcional produto âncora não contou com nenhum suporte técnico ou legal. Com tudo funcionando improvisado e por vezes com viés de politicagem, sem um projeto amplo de gestão. Até agora aquela situação não foi legalizada porque mexe com interesses de políticos e empresários. Há muita especulação imobiliária e se vier o império da Lei muita gente pode perder seus interesses. Então, para muitos, o melhor é deixar como está”, desabafou.

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