segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Manaíra e Cabo Branco são ilhas de calor

Cidades,
Domingo, 26/02/2012

Álisson Arruda

A temperatura entre os bairros de João Pessoa varia até 5,32º C e os níveis mais altos de ‘ilhas de calor’ e desconforto térmico estão concentrados em Manaíra e Cabo Branco. Segundo pesquisa da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), as altas temperaturas são resultado do aumento da área edificada e pavimentada, e a consequente redução de áreas verdes. A projeção feita pelo estudo é que, daqui a 50 anos, as ilhas de calor estarão espalhadas por toda cidade e os bairros atingirão o nível mais alto na classificação de desconforto térmico.



Segundo o geógrafo do Departamento de Engenharia e Meio Ambiente do Campus IV da UFPB, Joel Santos, autor da pesquisa “Campo térmico urbano e sua relação com o uso e cobertura do solo em João Pessoa”, os bairros próximos à orla da Capital apresentaram as maiores diferenças de temperatura em relação à Mata do Buraquinho, considerada como ponto de referência nas condições térmicas para a população, por ser um local que se assemelha ao ambiente rural. “Quem mora na orla subentende-se que mora bem, mas as áreas mais nobres têm os piores parâmetros”, frisou.

Após Manaíra, seguem na lista dos bairros mais incômodos para os moradores em relação à temperatura os de Cabo Branco, Bancários, Centro e Mangabeira. Segundo o pesquisador, os dados são preocupantes, pois afetam diretamente a qualidade de vida da população.

A pesquisa monitorou 10 pontos e aplicou um questionário aos moradores para conferir o nível de incômodo em diferentes temperaturas. “Para calcular o índice de desconforto térmico, utilizamos os dados de temperatura e umidade do ar de cada local. Em Manaíra, a ilha de calor foi de 5,32º C a mais que a Mata do Buraquinho”, esclareceu Joel Santos.

“Isso ocorre em função dos tipos de materiais empregados para pavimentação e cobertura do solo associado ao aumento da área edificada nesses bairros e sua urbanização, que compromete a cobertura vegetal desses ambientes”, afirmou, acrescentando que no período seco a intensidade da ilha de calor é ainda maior em relação ao período chuvoso. Já o ponto que mais se aproximou no local de referência foi o bairro dos Expedicionários. De lá até a Mata do Buraquinho a diferença é de 3,52ºC. A justificativa está no fato de o bairro ser residencial com áreas verdes ainda preservadas e pouca verticalização.

Sensação térmica é parcialmente desconfortável
A sensação térmica dos habitantes de João Pessoa, de maneira geral, está classificada como parcialmente confortável ou desconfortável no período seco e de confortável a parcialmente confortável nos meses de chuva. No entanto, daqui a 50 anos, se forem mantidas as médias de crescimento da temperatura e de redução da umidade do ar, não haverá mais áreas consideradas confortáveis e todo o território será classificado na escala mais alta do Índice de Desconforto Térmico (IDT).

A pesquisa realizada na UFPB fez um levantamento do crescimento da temperatura desde 1963 e constatou que há um aumento de 0,034ºC a cada ano e uma diminuição de 0,049 na umidade relativa do ar. “A temperatura do ar e o nível de conforto térmico têm tendência crescente e a umidade relativa tendência decrescente. Esses dados são baseados nos testes estatísticos para série temporal de temperatura e umidade relativa do ar referente há 48 anos de medições realizada pelo Estação Meteorológica do  INMET localizada na Br – 230”, esclareceu o professor Joel Santos.

De acordo com os dados da pesquisa, os cenários dos níveis térmicos indicam condições de forte desconforto ambiental para os anos de 2050 e 2060, durante o período seco, e desconfortável para o período chuvoso no ano de 2060 em toda área de estudo. Para os anos de 2020, 2030 e 2040 são previstos níveis de conforto térmico desconfortáveis para o período seco e parcialmente confortável para o período chuvoso. “O bairro de Manaíra é mais preocupante porque será o primeiro a entrar numa situação alarmante”, destacou. 

Intensidade máxima do calor ocorre à noite
A intensidade máxima da ilha de calor urbano em João Pessoa varia entre 3,33 °C e 5,32 °C e é um fenômeno que geralmente ocorre durante o período noturno. O pesquisador Joel Santos esclareceu que isso ocorre porque a intensidade máxima de temperatura e umidade relativa do ar são essencialmente diurnos e, com isso, a pavimentação absorve a energia e calor solar durante o dia e  libera à noite.

Ele afirmou que a pavimentação de asfalto é a mais prejudicial porque tem o poder de absorver ainda mais calor do que refletir. Os dados coletados na pesquisa comprovaram aquilo que as pessoas já sentem nas ruas, que são temperaturas mais elevadas sempre entre às 11 h e 14 h, e as mínimas nas primeiras horas da manhã. “Mesmo que o pico da ilha de calor seja registrado mais à noite, o desconforto é maior durante o dia por causa da maior taxa de insolação”, destacou.

Pesquisa da UFPB calcula aquecimento causado pela urbanização
A pesquisa da UFPB é pioneira na Paraíba no sentido em que conseguiu fazer uma amostragem para investigar todo o perímetro urbano e calcular o aumento do desconforto térmico como resultado do processo de urbanização da cidade. “Os trabalhos produzidos nessa área do conhecimento para João Pessoa eram mais pontuais, se tratando de praças, bairros e ruas, e agora, temos um referencial para toda cidade”, destacou o professor Joel Santos, acrescentando que os dados obtidos podem servir de subsídio para o planejamento e a gestão ambiental do município.

A pesquisa foi resultado de um trabalho de conclusão de doutorado em Recursos Naturais e faz parte de financiamento de um projeto aprovado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Os trabalhos foram feitos por dois anos e nove meses, incluindo o período de medição das variáveis de temperatura e umidade relativa do ar durante três meses no período chuvoso e seco.

Foram instalados equipamentos chamados termo-higrômetro em postes de telefonia para coletar dados de temperatura e umidade, e o entorno de cada ponto foi mapeado para verificar o uso do solo e material empregado. Ele disse que, apesar de a pesquisa ter feito a comparação entre 10 pontos, é preciso considerar que as condições térmicas de determinado local podem se estender a outros bairros próximos ou variar dentro no mesmo bairro. Com isso, os moradores da comunidade São Rafael, no Castelo Branco, por exemplo, são diretamente beneficiados com as condições térmicas da Mata.

“A ideia era verificar como esses materiais de recobrimento interferem nas condições do campo térmico (desconforto térmico, formação de ilhas de calor, etc) do clima urbano da cidade”, explicou o pesquisador. Após essa etapa, foi feita a análise dos dados para se conhecer as condições de conforto e desconforto térmico da população, com a aplicação de 300 questionários em horários distintos.

Verticalização precisa seguir parâmetros ambientais
A verticalização nas construções em João Pessoa está crescendo a cada ano, mas precisam ser planejadas para garantir qualidade de vida dos moradores. “Se antes se tinha o crescimento das áreas urbanizadas, hoje nós verificamos o aumento da verticalização. Não condeno isso, mas deve ser planejada. A cidade está crescendo levando em conta a questão da especulação imobiliária, mas precisa de parâmetros ambientais”, afirmou.

Ele defende que o uso e ordenamento territorial da cidade devem levar em consideração critérios que não sejam meramente econômicos, mas que também envolvam critérios que garantam conforto para os cidadãos. Além disso, ele afirmou que os resultados da pesquisa reforçam a importância na legislação que proíbe a construção dos espigões próximos à orla.

Segundo o professor Joel Santos, por causa de um crescimento despreocupado com o meio ambiente, a gestão pública hoje está tentando corrigir, por exemplo, o erro de ocupação em áreas de risco nas margens de rio. Para ele, a saída é continuar retirando as pessoas dos locais inadequados e investir na ocupação comprometida com a questão ambiental, valorizando a cobertura vegetal, mantendo as áreas que ainda têm e repondo ou implantando novas áreas verdes.

Para ele, áreas verdes são fundamentais para manter a qualidade de vida da população e devem estar bem distribuídas no perímetro urbano. Isso porque, áreas verdes criadas ou preservadas distantes das áreas de maior crescimento urbano não conseguem resolver o desconforto térmico dos moradores. “Tem certa influência na cidade como um todo, mas é restrito para locais com ilhas de calor mais intensas”, alertou.

Estudo teve parceria de professores da UFCG
A pesquisa foi realizada com orientação do professor da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Vicente de Paulo Rodrigues da Silva,  e do professor Eduardo Rodrigues Viana de Lima, da UFPB. Também colaboraram com os trabalhos os professores Angelina Dias Leão Costa e Lincoln Eloi de Araújo, ambos da UFPB. Alunos do curso de graduação e pós-graduação de geografia, ecologia e arquitetura também participaram do estudo.

De acordo com o professor Joel Santos, os resultados da pesquisa em João Pessoa não diferem muito do que foi verificado em outras capitais do Nordeste. No entanto, ele diz que é preciso estar atento ao porte da cidade que não é tão grande como Recife e Fortaleza, por exemplo. Segundo ele, o objetivo agora é estudar a variação gradual das condições de temperatura e umidade do ar ao se afastar dos pontos analisados. Isso poderá revelar, por exemplo, até onde vai a influência da Mata do Buraquinho nos bairros vizinhos.

Manaíra é bairro mais quente da Capital
Para suportar o calor no bairro de Manaíra, considerado o mais quente segundo a pesquisa da UFPB, os moradores precisam colocar ventiladores e ar condicionados em vários cômodos da casa. É o caso da artista plástica Edclée Carvalho. Para ela, “nem ar condicionado consegue vencer o calor e é preciso até levar um ventilador portátil dentro de casa”.

Ela relatou que há mais de dez anos mora no bairro e acredita que a sensação de calor só aumenta. “Sinto muito calor aqui e a impressão que dá é que a cada ano a temperatura só aumenta. Não tem como dormir sem ar condicionado e para trabalhar eu tenho que ligar o ar condicionado e o ventilador no ateliê. Todos os cômodos da minha casa têm ventilador no teto. Só na sala coloquei dois porque senão ninguém aguenta”, disse.

De acordo com a artista plástica, mesmo no inverno, são poucos os dias que ela se sente confortável apenas com as janelas do apartamento abertas. Ela disse que, ao longo dos anos, verifica a construção de prédios e redução das áreas verdes. “As praças do bairro são pouco arborizadas. Era para ser tudo verde para ver se melhorava essa temperatura. Nem nos canteiros das ruas têm árvores”, defendeu.

Manaíra será um dos bairros atendidos pelo projeto de arborização da Prefeitura da Capital. A meta  é arborizar 285 ruas em oito bairros, em zonas residenciais. Pelo menos10 mudas serão plantadas por rua, totalizando 2.850 mudas. Em Manaíra, serão arborizadas as avenidas João Câncio da Silva, Monteiro da França, Esperança, João Franca e Ingá.

Semam se baseia em pesquisa para plantar árvores
Os técnicos da Secretaria de Meio Ambiente de João Pessoa (Semam) já tomaram conhecimento da pesquisa através de um evento acadêmico, mas como o trabalho foi apresentado só em dezembro do ano passado, ainda não foi possível utilizar os resultados como referência para os projetos da Prefeitura de João Pessoa. No entanto, de acordo com a assessoria de imprensa da Semam, o setor já possui um levantamento que consta no projeto “João Pessoa verde para o mundo” e no Planejamento da Arborização Urbana para 2012. Nesse levantamento a Semam priorizou áreas que apresentam menor cobertura vegetal e maior índice de urbanização, que são fatores que provocam a formação de ilhas de calor.

Por esses motivos, os bairros da orla foram contemplados, segundo a secretária de Meio Ambiente da Capital, Lígia Tavares.  “A Constituição Estadual sobre a limitação dos gabaritos na orla é clara no que diz respeito à construção de prédios no litoral paraibano. Entendemos que a Constituição deve ser respeitada. A zona costeira, em todo território da Paraíba, é patrimônio ambiental, cultural, paisagístico, histórico e ecológico”, afirmou.

Por isso, ela disse que é preciso estar atento à lei, que limita a construção de prédios acima de 35 metros de altura nos 500 metros de largura a partir da preamar de sizígia, que é a maior maré registrada no litoral. “Já na primeira quadra da praia,  deve ser respeitado o limite de 150 metros da maior maré, só podendo ser construídos prédios de até 12 metros e 90 centímetros”, complementou Lígia Tavares.

PMJP elaborou projeto de arborização
A prefeitura de João Pessoa elaborou um planejamento de arborização urbana para este ano. As áreas foram sugeridas pelos técnicos da Semam, considerando a demanda da população e a necessidade de alguns locais específicos. Foram observados critérios como áreas públicas, parques, praças e zonas comerciais e residenciais com baixo índice de arborização, além de novos loteamentos.

Segundo o planejamento, serão arborizadas 133 escolas e CREIs, e 127 unidades de saúde; zonas residenciais em Cidade Verde, Bairro das Indústrias, Cidade Verde Mangabeira, Bairro dos Estados, Manaíra, Tambaú, Cabo Branco, Mangabeira VII e José Américo; zonas comerciais, como a Avenida Epitácio Pessoa e Centro; corredores ecológicos, como o Engenho Triunfo, em Mumbaba; além de plantio em áreas de preservação permanente ou degradadas, como o Parque Natural Municipal do Cuiá, girador da UFPB, Parque Temático Augusto dos Anjos, Bosque das Águas, Parque Parayba e áreas de mata ciliar e nascente do Rio Cabelo. 

João Pessoa foi primeira a ter Plano da Mata Atlântica
Segundo a Semam, a gestão municipal está preocupada com as questões ambientais e, por isso, João Pessoa foi a primeira cidade brasileira a elaborar o Plano da Mata Atlântica. Lançado em novembro de 2010, o Plano foi elaborado pelos técnicos da Divisão de Estudos e Pesquisas (DIEP) da Semam, em parceria com Fundação SOS Mata Atlântica. Em junho passado, a Câmara de Vereadores aprovou o Sistema Municipal de Áreas Protegidas (SMAP), que define e estabelece critérios e normas para criação, implantação e gestão das Unidades de Conservação (UCs) da natureza e parques administrados pela prefeitura.

Segundo a Semam, com o sistema a cidade efetivou uma política de conservação e recuperação do meio ambiente, por meio da criação e gestão de áreas protegidas no município. O SMAP estabeleceu os parques de requalificação ambiental, visando ampliar a qualidade ambiental para as áreas de moradia popular.

Além disso, o Viveiro Municipal de Plantas Nativas da Prefeitura de João Pessoa foi contemplado com projeto do Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal (FNDF), gerido pelo Serviço Florestal Brasileiro (SFB), que vai beneficiar cerca de 100 coletores de sementes e viveiristas na Mata Atlântica e mais 300 famílias de extrativistas na Amazônia.  A ação fortalece a produção de sementes e mudas de espécies nativas da Mata Atlântica, para restauração florestal no Nordeste. O Viveiro produz mudas recomposição de áreas degradadas. Em 2011, produziu 38.766 mudas de árvores nativas e distribuídas outras oito mil mudas.
 


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