Na região do Rio Paraíba, destino final das límpidas águas do Velho Chico, moradores tentam frear a retirada de areia
Postada em: 15/02/2014 às 08:52:05
Postada em: 15/02/2014 às 08:52:05
Na manhã do dia 12 de novembro de 2012, cerca de cem
pessoas – agricultores sindicalistas, ambientalistas, representantes de
associações civis ligadas à preservação do rio Paraíba – tendo à frente o
deputado Antônio Ribeiro, mais conhecido como Frei Anastácio, e o
ambientalista e médico João Batista da Silva, ocuparam a sede da
Superintendência de Administração do Meio Ambiente (Sudema), na capital
do estado, João Pessoa.
Os manifestantes exigiam da atual superintendente da Sudema, Laura
Farias, a regularização da atividade de extração de areia junto ao Rio
Paraíba, que prejudica a saúde do rio e acelera o processo de
desertificação (a areia serve como uma esponja que absorve a água da
chuva que cai durante apenas dois meses por ano, e evita a evaporação).
Por volta das 13 horas, os manifestantes já tinham em mãos um Termo de
Compromisso assinado por Laura, segundo o qual o órgão assumia o
compromisso de apresentar a tal regulamentação, além de criar a Área de
Proteção Ambiental (APA) do Rio Paraíba e fiscalizar todas as denúncias.
Um ano depois, porém, nenhum item havia sido efetivamente cumprido.
As reuniões informais da população com o objetivo de preservar o rio
Paraíba deram origem ao Fórum de Preservação e Defesa do Rio Paraíba,
formado oficialmente em 2011 por integrantes de associações ambientais,
sindicatos, Pastorais Sociais da Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB), ambientalistas e agricultores.
Extensão de obra no São Francisco é quase a distância entre Salvador e Recife
Em setembro de 2013, a superintendente Laura compareceu a uma das
reuniões do Fórum de Defesa do Rio Paraíba, realizada no município de
São José dos Ramos, e se comprometeu verbalmente em não conceder mais
licenças para essa atividade. Mas, segundo o Fórum, novamente o
compromisso foi quebrado.
Briga judicial
Em 9 de outubro de 2013, a empresa de Antônio Ferreira de Araújo, que
atua em uma área de 149 hectares entre Itabaiana a Salgado de São Félix
teve sua licença renovada por mais um ano.
O processo de renovação dessa licença traz algumas particularidades: em 5
de dezembro de 2012, entrou em vigor a Lei Orgânica de Itabaiana (PB),
proibindo a retirada mecanizada de areia, cascalho e argila, sendo
permitida apenas extração manual para uso em obras municipais. Com a
licença por vencer no final de 2012, Antônio Ferreira entrou com um
pedido de renovação, que foi negado pela Sudema. Seis meses depois, em
22 de julho de 2013, o empresário nomeou como seus procuradores os
integrantes do escritório Lopes Advocacia. Um dos sócios é o advogado da
Sudema, Ronílton Pereira Lins. Ou seja, o dono da firma que atende
Antônio Ferreira trabalha também na Procuradoria Jurídica da Sudema.
Procurado pela reportagem, ele afirma que desde quando assumiu a
Procuradoria Jurídica da Sudema não faz mais parte do escritório de
advocacia, e não tem conhecimento das ações que são concebidas lá. “Meu
nome deve ter sido colocado na procuração por engano, pois ainda devia
constar nos documentos do escritório, mas não tenho mais nenhum vínculo
ali”, afirmou.
Como advogado da Sudema, Ronílton garante que segue a recomendação do
Ministério Público que determinou o fim da extração mecanizada. “Apenas
concedemos licenças por intermédio de ação judicial, quando somos
obrigados a cumprir”, enfatizou.
Em 12 de agosto de 2013, Antônio Ferreira obteve um mandado de
segurança, expedido pelo então Juiz de Direito de Itabaiana Henrique
Jorge Jácome de Figueiredo, para a renovação da licença. A Sudema
concedeu então a renovação da licença de duas áreas: uma referente à
área de Itabaiana a Salgado de São Félix e outra de Itabaiana a Pilar,
ambas no dia 9 de outubro de 2013.
Contudo, em 28 de novembro de 2013, a promotora de Justiça de Itabaiana,
Maricellly Fernandes Vieira, entrou com pedido de retratação da decisão
da liminar. Ela acusa Antônio Ferreira de ter agido de má-fé ao entrar
com o mandato judicial, omitindo do magistrado a existência da Lei
Municipal de Itabaiana, que proíbe a atividade. Em 29 de janeiro, a
Juíza Higyna de Almeida, da 1ª Vara Judicial de Itabaiana, tornou o
mandato sem efeito.
Antonio Ferreira explora a mineração no rio Paraíba desde 2005. Ele
alega que tem conhecimento da lei municipal, mas justifica: “Os órgãos
concederam as licenças, então tenho permissão de trabalhar e procuro
fazê-lo da melhor forma possível, de maneira legal”, salientou.
Outro caso apontado como mau exemplo pelo procurador da República
Duciran Farena é o da obtenção de renovação das licenças de lavra
experimental para a Fazenda Oiteiro, nos Municípios de São Miguel de
Taipu e Pedras de Fogo.
A renovação das licenças foi concedida pela Sudema em dia 26 de agosto
de 2013. Contudo, os documentos exigidos por Lei para o pedido de
renovação de licença da área de cinco hectares de São Miguel de Taipu
são datados do dia 28 de agosto de 2013 – dois dias depois de concedida a
licença.
Nesse dia, Clóris Monteiro Vieira de Melo, proprietária da Fazenda
Oiteiro, enviou um documento para o promotor de Pilar, Aldenor de
Medeiros Batista, solicitando parecer favorável para a extração de
areia. No mesmo dia, o promotor deu o parecer autorizando a Sudema a
conceder a renovação. Em tempo recorde, ainda no dia 28, a Sudema emitiu
o Parecer Jurídico nº 481/2013, acatando a justificativa do Ministério
Público de Pilar.
Para piorar, todo o processo tramitou enquanto estava em vigor a Lei
Orgânica do Município de São Miguel de Taipu que proíbe a extração
mecanizada de areia, cascalho e argila. Pouco depois, em 12 de dezembro
de 2013, a Lei foi revogada pela câmara de vereadores da cidade. O
presidente é o vereador Augusto Vieira, filho da proprietária da Fazenda
Oiteiro Ltda.
“Não há legislação estadual na Paraíba referente à atividade e as leis
municipais prevalecem às federais por serem restritivas. Isto está na
Constituição. Esta é uma atribuição das câmaras municipais”, explica o
técnico do Ibama, Ronilson Paz.
A população não confia nas autoridades
Indignado, o agricultor e sindicalista Joserino de Sousa, do
assentamento Corredor, na zona rural do município de Remígio, constata
grandes mudanças no meio ambiente. “Hoje em dia cavamos um poço, e em
questão de 10 meses não tem mais água, pois os lençóis de água desceram
em direção ao leito. Há 20 ou 15 anos, a exploração de batatas era feita
três meses por ano. De feijão, era por quatro meses do ano. Agora,
raramente conseguimos colher uma vez no ano. Como é isso? Os
proprietários se ‘adonam’ do rio e fazem o que querem? E a população que
trabalha e planta e depende da água que tinha no rio? A gente não pode
tirar uma pá de areia que já vem alguém para nos impedir”, lamenta
Joserino. “Depois, quem vai passar sede serão os nossos filhos. Ou
tomamos uma posição enérgica, de atitude, ou o rio vai acabar um
cemitério, se depender dos órgãos governamentais”.
Entenda a legislação:
Segundo a legislação brasileira, o licenciamento para a construção,
instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades
que utilizam recursos ambientais capazes de causar degradação ambiental
depende de prévio licenciamento por órgão estadual competente. Caso o
órgão não esteja instalado, a atribuição é do Ibama. A empresa deve
apresentar um estudo de impacto ambiental e relatório de impacto sobre o
meio ambiente (EIA/RIMA), além de planos de reposição ou compensação da
degradação ambiental.
Na Paraíba as licenças são concedidas pela Sudema, com pareceres do
Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) ou do Ministério
Público. Ronilson Paz, técnico do Ibama na Paraíba, afirmou que o órgão
realiza suas atribuições conforme a legislação. “A Sudema é um órgão
para exercer o controle e a preservação do meio ambiente no estado e
trabalha para isso”, disse Ronilson Paz. Já o ambientalista João Batista
da Silva tem outra opinião: “A Sudema precisa estabelecer os critérios
para extração de areia mecanizada, precisa de uma política de
preservação da Bacia do Rio Paraíba há muito tempo, e parece que não dá
importância para isso”.
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