Pesquisadores encontram cafeína em amostras de água potável
de cidades brasileiras. A substância é indicadora da presença de esgoto
no manancial e alerta para a possibilidade de que outros compostos
indesejados também estejam chegando às torneiras.
Publicado em 20/12/2012 | Atualizado em 20/12/2012
Pesquisa avalia água potável de cidades brasileiras e sugere
que o processo de tratamento realizado no país pode não ser suficiente para retirar contaminantes químicos da água. (foto: Cassiana C. Montagner) |
A água que chega a nossas casas passa por um tratamento que obedece a requisitos legais.
Mas será que isso impede que ela chegue às torneiras livre de
substâncias potencialmente prejudiciais? É o que pesquisadores de
diversas universidades brasileiras tentam descobrir em estudo coordenado
pelo Instituto Nacional de Ciências e Tecnologias Analíticas Avançadas
(INCTAA).
“Estamos tentando identificar e quantificar alguns contaminantes
emergentes – substâncias que, em geral, ainda não estão legisladas – na
água tratada de capitais brasileiras”, explica Wilson Jardim, químico da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador do estudo.
“Estamos tentando identificar e quantificar alguns contaminantes emergentes na água tratada de capitais brasileiras”
Na primeira rodada de coletas, concluída no ano passado, foram
recolhidas 49 amostras em 15 capitais e no Distrito Federal – a água era
retirada dos canos de entrada das casas. “Coletamos uma amostra para
cada 500 mil habitantes e, na medida do possível, procuramos mapear a
rede de coleta e distribuição de forma que pudéssemos obter amostras
provenientes de diferentes mananciais”, explica o químico Marco Grassi,
da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Além do Distrito Federal, os pesquisadores recolheram água em Porto
Alegre, Florianópolis, Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro, Vitória,
Belo Horizonte, Goiânia, Cuiabá, Porto Velho, Palmas, Recife, João
Pessoa, Natal e Fortaleza.
Entre 22 substâncias pesquisadas – escolhidas por representarem
diferentes produtos utilizados em atividades domésticas, industriais e
agrícolas –, a cafeína é de especial interesse para os pesquisadores.
“Ela é considerada um indicador da qualidade dos mananciais e do
tratamento de água”, explica Jardim. “É a impressão digital da presença
de esgoto”, resume.
Ele e Grassi ressaltam que a substância em si não apresenta risco do
ponto de vista da saúde púbica. “A grande questão é que ela é um
traçador, ou seja, se a cafeína está presente na água tratada, é
provável que outros compostos químicos também não tenham sido eliminados
durante o tratamento da água”, explica Grassi.
A cafeína foi quantificada em 92% das 49 amostras. A capital com a
maior concentração média de cafeína foi Porto Alegre, com 166 nanogramas
por litro de água (ng/L). Em segundo lugar está São Paulo, com 118
ng/L, e, em terceiro, Belo Horizonte, com 32 ng/L. Apenas em Fortaleza a
cafeína não pôde ser quantificada segundo parâmetros estatísticos, pois
as concentrações eram muito baixas.
“Nós também encontramos e conseguimos quantificar a atrazina, um
herbicida amplamente utilizado no Brasil; o triclosan, um agente biocida
presente em vários produtos de higiene pessoal; e a fenolftaleína,
muito utilizada em titulações nos laboratórios de química”, lista Grassi.
De todas as capitais incluídas no estudo, a atrazina só não foi
encontrada em Palmas e em Natal. As concentrações nas outras localidades
foram baixas e variaram entre 0,6 ng/L e 6 ng/L – o valor máximo foi
encontrado em Curitiba. Já o triclosan e a fenolftaleína foram
encontrados apenas em Porto Alegre e em Palmas, respectivamente.
Impactos na saúde
De acordo com os pesquisadores, os resultados, ainda que parciais,
mostram que o processo de tratamento de água no Brasil, apesar de ser
eficiente para remover microrganismos, pode não funcionar tão bem para
eliminar contaminantes químicos.
Grassi explica que as baixas concentrações encontradas são, em grande
parte, resultantes da degradação parcial desses contaminantes no
ambiente e da sua remoção, também parcial, durante o tratamento de
esgoto (tanto pela adição de cloro quanto pela retirada de lodo
acumulado durante o processo).
A preocupação é que eles venham a interferir na saúde humana. “Já
existem estudos que mostram que alguns contaminantes, mesmo em pequenas
quantidades, podem afetar negativamente uma série de organismos, como
espécies de peixes, anfíbios e répteis”, lembra Wilson. Nos seres humanos, no entanto, essa ainda é uma questão a ser respondida.
“É importante ter em mente que a contaminação biológica sempre traz
consigo uma resposta aguda na população, como diarreia, vômito e cólera.
Já a contaminação química está associada a efeitos crônicos, que podem
se manifestar somente em longo prazo, o que acaba dificultando a
avaliação do risco relacionado à exposição a essas substâncias”, explica
Jardim.
Ele defende que, diante desse cenário, deve-se agir de acordo com o
princípio da precaução. “Apesar de os compostos não serem contemplados
pela legislação [com exceção da atrazina], entendemos que as
concessionárias devem lançar mão de maior polimento no tratamento da
água”, diz. “Se a substância pode causar riscos, mesmo que ainda não
possamos determiná-los cientificamente, tal possibilidade deve ser
levada em consideração quando se pensa na potabilidade da água”,
completa o pesquisador, lembrando que a própria legislação prevê esse
tipo de cuidado.
Jardim: Apesar de os compostos não serem contemplados pela legislação, entendemos que as concessionárias devem lançar mão de maior polimento no tratamento da água
Grassi explica que a tecnologia para a retirada desses contaminantes
da água já existe. “É uma série de tecnologias de polimento que podemos
chamar de processos oxidativos avançados”, afirma. “Caso elas fossem
incluídas no tratamento da água, o custo geral do procedimento poderia
aumentar – esse é um dos principais argumentos utilizados pelas
concessionárias – mas, em se tratando da saúde humana, acredito que vale
a pena revermos a política e a estratégia do setor”, complementa.
“Devemos cobrar das concessionárias esse tipo de ação. O tratamento
de fim de linha, sob responsabilidade do usuário, nem sempre surte os
resultados esperados”, defende Jardim. Ele lembra que os filtros
precisam passar por manutenção cuidadosa. “Os sítios de adsorção dos
filtros devem estar sempre livres, o que pode ser conseguido através de
processos térmicos, de retrolavagem ou pelo uso de solventes como álcool
e acetona”, explica. “Todos esses procedimentos exigem conhecimento,
cuidados especiais e devem ser feitos com frequência”, conclui.
Fontes de contaminação
Este ano os pesquisadores realizaram uma segunda rodada de coletas, mas as análises ainda estão em andamento e os dados só devem estar disponíveis no início do ano que vem. Eles pretendem verificar se o padrão encontrado no ano passado irá se repetir e aproveitaram para aumentar em seis a quantidade de capitais avaliadas – dentre elas estão Belém e Manaus, o que amplia a cobertura do estudo na região Norte.
Grassi: Para Porto Alegre, podemos relacionar a alta concentração média de cafeína com o hábito de consumo de erva mate (chimarrão) da população
Outra pretensão é tentar identificar as fontes de contaminação. “Para
Porto Alegre, por exemplo, podemos relacionar a alta concentração média
de cafeína com o hábito de consumo de erva mate (chimarrão) da
população”, exemplifica Grassi, lembrando que afirmações desse tipo
exigem maior aprofundamento dos estudos.
Jardim explica que os detalhes da pesquisa e os resultados completos
serão divulgados ao final do projeto e que a intenção do grupo é
publicar um livro ainda em 2013. O projeto é financiado pelo Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e envolve,
além da Unicamp e da UFPR, a Universidade de Brasília (UnB), a
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a Universidade Federal da
Paraíba (UFPB) e a Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf).
Joyce Santos
Ciência Hoje On-line
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