29 de novembro de 2012 | 23h 54
WASHINGTON, NOVAES,
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JORNALISTA, E-MAIL: WLRNOVAES@UOL.COM.BR - O Estado de S.Paulo
Com a cobertura mais frequente que a televisão vem dando
nas últimas semanas à questão da seca no Semiárido nordestino, vai-se
de espanto em espanto, diante da gravidade do panorama, da insuficiência
- para não dizer ausência - de providências eficazes do governo federal
e das informações sobre tudo o que se poderia fazer por caminhos
competentes, mas não se faz. E tudo isso na mesma hora em que se vê a
teimosia do foco oficial no projeto de transposição de águas, como se
ele fosse o santo milagreiro - quando não é, já está custando quase o
dobro do orçamento inicial (de R$ 4,6 bilhões para R$ 8,2 bilhões), com
vários trechos parados, outros já necessitando de obras reparadoras e
outros ainda, de novos "aditivos" nos orçamentos. Inacreditável.
Diz o Operador Nacional do Sistema Elétrico (Estado, 31/10) que o
último mês de outubro foi o mais seco em toda a região nos últimos 83
anos. As opiniões de especialistas asseguram que se trata da mais forte
estiagem entre 30 e 50 anos. Em depoimento na audiência pública da
Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados, o diretor da
Secretaria Nacional de Defesa Civil do Ministério da Integração Nacional
(Agência Brasil) afirmou que 10 milhões de pessoas foram atingidas em
1.317 municípios.
Só em Pernambuco, segundo o engenheiro José Artur Padilha, criador do
projeto Base Zero (Estado, 19/11), são 1,18 milhão de pessoas afetadas
diretamente, enquanto mais 3,67 milhões sentem os efeitos em 122 dos 184
municípios do Estado. Só nas lavouras de subsistência as perdas já
chegam a 370 mil hectares. Os rebanhos pernambucanos perderão15%, entre
bovinos, ovinos e caprinos (remaatlantico, 7/11). Na Paraíba estão
sofrendo 2,3 milhões de pessoas, ou 70% da população, em 198 dos 223
municípios, com situação de emergência decretada em 170 cidades. Na
Bahia são 250 municípios em emergência. Em Caém, a 333 quilômetros de
Salvador, não chove há um ano e meio (Estado, 31/10). No Piauí são 215
dias sem chuva, 200 municípios em emergência. E muitos especialistas já
dizem que as chuvas só virão em 2013.
Será todo esse quadro uma fatalidade? Nada a fazer? Na mesma
audiência na Câmara dos Deputados, o professor João Abner, da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, especialista em recursos
hídricos que há décadas se dedica ao problema, assegura que não (Agência
Brasil, novembro/2012). Segundo ele, fome, seca e perdas poderiam ser
evitadas se houvesse programas de abastecimento de água como o Luz para
Todos. "Tem água sobrando para consumo humano e animal", assegura. "Tem
estoques de água suficientes para atender plenamente, mesmo em época
como agora. São 10 bilhões de metros cúbicos armazenados na região acima
do Rio São Francisco, em grandes reservatórios." Só que não há sistemas
de abastecimento ligados aos açudes, que servem apenas aos grandes
proprietários rurais. E "com menos de 20% da disponibilidade hídrica dos
reservatórios" se atenderia a toda a demanda local.
Mais surpreendente ainda, diz o professor Abner que "o Semiárido
brasileiro é um dos sistemas ambientais mais chuvosos no mundo, mas o
acesso à água não está democratizado". Há 60 mil açudes reservados para
poucos. E 95% da água se perde na evapotranspiração (!). Um programa do
tipo Água para Todos custaria menos de R$ 20 por pessoa. Menos que o
custo de um carro-pipa, lembra ele; um terço do custo da transposição do
São Francisco.
Não é ele apenas que tem visões dessa natureza. Na mesma ocasião, o
professor João Suassuna, da Fundação Joaquim Nabuco, depois de acentuar
que metade da população "sofre com seca e fome", lembrou que 80% das
secas são "no miolo da região", por má distribuição dos recursos. Esta
não atende a diretrizes já definidas há décadas, inclusive pelo
Ministério do Meio Ambiente, segundo as quais é preciso ter "estratégias
de convivência" com o Semiárido - e não tentativas de "combater a
seca". A propósito, há alguns anos, quando fazia um documentário para a
TV Cultura sobre o tema, o autor destas linhas ouviu do consagrado e
experiente escritor Ariano Suassuna (que cria cabras na região) que
"tentar combater a seca no Nordeste é o mesmo que tentar impedir que
caia neve sobre a Sibéria".
Também o professor João Suassuna enfatiza o problema de manter a água
estocada em reservatórios (só no Ceará, 8 mil, com capacidade para 18
bilhões de metros cúbicos), sem distribuição. Para ele, mesmo depois de
concluída a transposição do São Francisco persistirá o problema das
populações que vivem em pequenas comunidades isoladas, aonde não
chegarão adutoras - os 12 milhões de pessoas para quem "será levada uma
caneca de água", no dizer do ex-presidente da República. Por isso, em
lugar de transpor água, o governo deveria pensar nos projetos contidos
desde 2006 no Atlas do Nordeste de Abastecimento de Água, coordenado
pela própria Agência Nacional de Águas - e que custariam, para executar,
menos de metade (R$ 3,3 bilhões) do investimento na transposição e
atenderia 34 milhões de pessoas.
E há mais. Desde o final da década de 90 o engenheiro José Artur
Padilha vem experimentando - e viabilizando - em Afogados da Ingazeira
(PE) o sistema chamado de Base Zero. São barragens construídas em leitos
de rios secos, só com pedras, em cujos interstícios, sem argamassa, se
depositam na época das chuvas sedimentos e materiais orgânicos que
fertilizam a área no entorno. A água infiltrada e retida nos períodos
chuvosos permite o plantio na seca. E cada bacia assim fertilizada pode
tornar viável o desenvolvimento adequado para 40 a 50 famílias em 2 mil
hectares. No Polígono das Secas, com 800 mil quilômetros quadrados,
seria possível atender por esse caminho 2 milhões de famílias. Desde
1999 (6/5) este escriba comenta o projeto neste espaço. Mas os
formuladores de políticas não se comovem.
Soluções há. Sem tentar, inutilmente, derrotar a seca.
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