Algas ajudaram a preservar pegadas de dinossauro na Paraíba
IGOR ZOLNERKEVIC |
Edição 209 - Julho de 2013
Para quem quiser deixar uma marca duradoura de sua existência na
Terra, fica a dica: caminhe à beira de um lago, onde houver lama ou
areia fina e molhada, coberta de limo. Centenas de dinossauros fizeram
isso, e suas pegadas permanecem intactas, gravadas nas rochas do sertão
nordestino, no município de Sousa, interior da Paraíba, graças à ação
das algas verdes e azuis do limo onde pisaram há mais de 100 milhões de
anos.
Trilha fossilizada no Vale dos Dinossauros, no Município de Sousa. © FABIO COLOMBINI |
“É incrível como microrganismos ajudaram a registrar a vida de alguns
dos maiores animais que já viveram”, comenta Leonardi, considerado um
dos principais especialistas em icnologia, o estudo de marcas deixadas
por animais extintos, os chamados icnofósseis, para determinar sua
postura e comportamento. Foi por meio de pegadas, por exemplo, que os
paleontólogos deixaram de montar incorretamente os esqueletos fósseis
nos museus. Antigamente achava-se que os dinossauros andavam como os
crocodilos, arrastando o ventre e a cauda no chão. As pegadas, no
entanto, mostram que as criaturas andavam com a cauda e corpo suspensos,
com seu peso distribuído igualmente sobre as patas.
As pegadas de Sousa foram descritas pela primeira vez em 1924, pelo
engenheiro de minas Luciano Jacques de Moraes. O estudo dessas marcas,
entretanto, só começou em 1975, quando Leonardi passou um ano explorando
a região. Nascido na Itália em uma família de geólogos e paleontólogos,
Leonardi, 74 anos, sempre dividiu seu tempo entre a carreira de
pesquisador e a de padre católico. Ele se prepara para lançar um livro
sobre Sousa, escrito em colaboração com Carvalho, ao mesmo tempo que
atua na educação de crianças no Congo.
As
rochas de Sousa se formaram a partir de sedimentos acumulados em um
vale aberto no início da separação entre a América do Sul e a África, no
começo do chamado período Cretáceo. Entre 142 milhões e 130 milhões de
anos atrás, o vale abrigava rios e lagos, atraindo a fauna da região.
Sua lama transformada em rocha registrou a passagem de quase 400
indivíduos — dinossauros, crocodilos, sapos e tartarugas. Também há
marcas de ondulações produzidas por água corrente e até pequenos buracos
criados por gotas de chuva.
Cenas do passado
Não há, porém, ossadas fósseis em Sousa, ao contrário do que ocorre na bacia sedimentar vizinha do Araripe, no Ceará, local da descoberta de muitos dinossauros do Cretáceo. Leonardi explica que os sedimentos e o ambiente das bacias eram distintos. O ambiente mais ácido de Sousa corroía os ossos, enquanto no Araripe enxurradas arrastavam e soterravam rapidamente as carcaças dos animais, mantendo os ossos em condições favoráveis à petrificação.
Não há, porém, ossadas fósseis em Sousa, ao contrário do que ocorre na bacia sedimentar vizinha do Araripe, no Ceará, local da descoberta de muitos dinossauros do Cretáceo. Leonardi explica que os sedimentos e o ambiente das bacias eram distintos. O ambiente mais ácido de Sousa corroía os ossos, enquanto no Araripe enxurradas arrastavam e soterravam rapidamente as carcaças dos animais, mantendo os ossos em condições favoráveis à petrificação.
“Em geral, os fósseis são registros da morte, enquanto as pegadas são
registros da vida”, afirma Carvalho. Dificilmente as pegadas permitirão
identificar a espécie do animal que as produziu. Mesmo assim, os
pesquisadores conseguem classificá-las de acordo com certos grupos de
dinossauros e, em locais onde há muitas delas, podem reconstruir cenas
do passado.
“Essas marcas são estruturas tão delicadas, tão fáceis de serem
apagadas pelas intempéries”, diz Carvalho. “Queríamos entender como
foram preservadas.” Segundo ele, os pesquisadores costumavam concordar
que, para as pegadas serem preservadas, bastava que o sedimento onde
estavam impressas tivesse certas características especiais. Ele deveria
ser fino, úmido e plástico na medida certa, como a argila. Todos os
estudos experimentais feitos até agora, porém, demonstram que isso
muitas vezes não é o suficiente.
De uma década para cá, começaram a aparecer evidências de que as
pegadas menos erodidas são aquelas cobertas por limo. Em 2009, por
exemplo, um grupo de arqueólogos suíços observou exatamente isso ao
estudar o endurecimento de pegadas humanas impressas há poucos anos na
beira de lagos no Caribe e no Oriente Médio. Carvalho notou algo
semelhante na Região dos Lagos, no Rio de Janeiro. Outros paleontólogos
começaram a suspeitar de que as chamadas esteiras microbianas que
compõem o limo funcionariam como uma cola entre os grãos do sedimento,
preservando os traços das pegadas, além de os protegerem contra o vento e
a chuva. Os microrganismos ajudariam ainda na petrificação, acumulando o
cálcio que endurece o sedimento.
Carvalho
e seus colegas descobriram a primeira evidência material do fenômeno ao
analisarem ao microscópio as lâminas de rochas extraídas de um poço na
Fazenda Cedro, em Sousa. Encontraram várias camadas de microbialitos, um
tipo de rocha formado a partir dos restos de esteiras microbianas do
Cretáceo.
Outra evidência indireta é a presença em Sousa de fósseis de
conchostráceos, um crustáceo protegido por duas conchas, aparentado de
caranguejos e camarões. Os conchostráceos existem até hoje e quase nunca
ultrapassam meio centímetro de comprimento. Uma das espécies de Sousa,
porém, atinge 4,5 centímetros. Carvalho acredita que os conchostráceos
de Sousa cresceram tanto por conta do ambiente de águas quentes, calmas e
ricas em nutrientes que favoreceram a proliferação das esteiras
microbianas nas margens dos lagos onde os dinossauros pisavam.
Mais limo, mais detalhes
As pegadas mais ricas em detalhes, que vistas bem de perto revelam de marcas de unhas a ranhuras da planta das patas e dos dedos, seriam aquelas formadas onde as esteiras teriam crescido mais. O limo teria ajudado a preservar também as rebordas que aparecem em volta de algumas pegadas. As rebordas são feitas da lama espirrada quando o animal pisou e podem informar seu peso.
As pegadas mais ricas em detalhes, que vistas bem de perto revelam de marcas de unhas a ranhuras da planta das patas e dos dedos, seriam aquelas formadas onde as esteiras teriam crescido mais. O limo teria ajudado a preservar também as rebordas que aparecem em volta de algumas pegadas. As rebordas são feitas da lama espirrada quando o animal pisou e podem informar seu peso.
Além do sedimento argiloso e das esteiras microbianas, os ciclos de
deposição dos sedimentos seguindo as estações secas e chuvosas também
ajudou a preservar as pegadas em Sousa. Pegadas eram gravadas e
endurecidas durante a estação seca, para então serem enterradas por uma
nova camada de sedimento trazida pelas chuvas. A nova camada serviria
então de substrato para gravar mais pegadas na estação seca seguinte. Em
um local conhecido como Passagem das Pedras, em Sousa, Leonardi escavou
25 dessas camadas com pegadas, produzidas por variações cíclicas na
borda de um lago.
Carvalho, cuja pesquisa tem apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), espera agora examinar
lâminas de rochas de outros lugares do mundo com pegadas fósseis. O
maior deles fica em Sucre, na Bolívia. “Tenho quase certeza de que os
microbialitos estão presentes lá”, diz.
“As esteiras microbianas estão na moda”, comenta o paleontólogo
Marcelo Adorna Fernandes, da Universidade Federal de São Carlos, cujo
laboratório possui a maior coleção de icnofósseis do país, muitos deles
coletados no interior paulista, principalmente em Araraquara, onde foram
descobertas pegadas até em rochas das calçadas da cidade. Fernandes
conta que espera analisar em breve o que ele acredita ser rastros
deixados por invertebrados ao rasgarem esteiras microbianas crescendo no
fundo dos lagos glaciais, que deram origem às rochas sedimentares
conhecidas como os varvitos de Itu.
Artigo científico
CARVALHO, I. et al. Preservation of dinosaur tracks induced by microbial mats in the Sousa Basin (Lower Cretaceous), Brazil. Cretaceous Research. Publicado on-line. 10 mai. 2013.
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