080.06ano 07, jan 2007
1. Introdução
Algumas questões têm se destacado nas
discussões sobre o espaço urbano das grandes cidades:
congestão dos centros urbanos; deficiência de espaços viários e de
estacionamento de veículos; carência de espaços livres; impacto
ambiental; expansão excessiva das cidades; habitações
informais.
As questões que vêm emergindo ou
agravando-se com a incapacidade dos governos municipais de
suprirem as demandas em infra-estrutura na maioria das cidades, e a
constatação de que as cidades são focos de concentração
populacional, têm levado pesquisadores da problemática urbana a
discutir parâmetros de densidade demográfica e formas de
ocupação que auxiliem na solução dos problemas relacionados
com a falta de habitação adequada para grande parte da população e que
permitam uma ampliação do suprimento de infra-estrutura. A
busca de parâmetros de densidade é acompanhada pela busca de
soluções urbanísticas que promovam um desenvolvimento
sustentável adequado às condições locais.
A concentração populacional e a forma
como o espaço está organizado exercem grande influência na qualidade
ambiental, meta que vem sendo perseguida pelos que acreditam que
a cidade deve, além de suprir as necessidades básicas dos
indivíduos, proporcionar-lhes uma vida com qualidade.
Na maioria das cidades brasileiras, os
códigos de urbanismo seguem os princípios da Carta de Atenas –
baseando-se no zoneamento da cidade e definindo para cada
zona parâmetros urbanísticos diferenciados para cada uso como: dimensão
mínima do lote, índice de aproveitamento (1), taxa de ocupação
(2), recuos (3) e, em alguns casos, restrições de gabarito
(4) e tipologia edilícia. Outro aspecto que tem sido usual
nesses códigos é a definição de densidades demográficas de
acordo com a capacidade e as características de cada zona,
mesmo que em alguns casos ela esteja apenas implícita.
O adensamento populacional pode se dar
de várias formas, uma delas sendo a verticalização das edificações,
que possibilita a multiplicação da área do lote proporcionalmente
ao número de andares.
O desenvolvimento tecnológico e as
modificações que as cidades sofreram após a Revolução
Industrial favoreceram o desenvolvimento da tipologia edilícia dos
arranha-céus, que até então, por limitações técnicas, não tinha
sido viável.
Os arranha-céus se difundiram
principalmente na América do Norte, tendo as cidades de Chigago
e Nova York como focos emblemáticos, e foram incorporados à
arquitetura e aos conceitos urbanísticos de modernistas como Le
Corbusier, Gropius e Mies van der Rohe. No Brasil essa
tipologia começa a se difundir na década de 1920, em São Paulo
e no Rio de Janeiro.
A disseminação dessa nova forma de
construir, em conjunto com as modificações por que passaram as
cidades brasileiras no século XX fez surgir uma série de normas e
legislações para ordenar o desenvolvimento e funcionamento das
cidades, que além de abranger os mais diversos aspectos do
espaço urbano contemplavam a limitação da altura das
edificações. Eram códigos de posturas, códigos de obras,
códigos de urbanismo e planos diretores, que carregavam conceitos
sanitaristas e de modernização. A legislação mais recente
baseia-se, sobretudo nos conceitos de sustentabilidade e de
eficiência energética.
A presente pesquisa discute a questão da
verticalização através da restrição do gabarito na orla
marítima de João Pessoa, na faixa de 500 metros a partir da preamar
de sizígia, definida pelo artigo 229 da Constituição Estadual de
1989 e regulamentada pelo artigo 25 do Plano Diretor de João
Pessoa de 1993, tomando como área de estudo os bairros do Cabo
Branco, de Tambaú e de Manaíra.
Esse setor da cidade vem sofrendo grande
pressão por parte dos promotores imobiliários, ávidos pela
multiplicação do seu potencial construtivo – repetindo uma
tendência que tem sido verificada na orla marítima das cidades
litorâneas brasileiras, principalmente nas áreas providas de
infra-estrutura.
Assim, a restrição em questão vem sendo
criticada pelos empresários da construção civil. Mas um outro
segmento vem também contestando-a: pesquisadores da área do
conforto ambiental, que têm questionado a eficácia dela em relação
ao desempenho da ventilação intra-urbana.
A restrição em foco não define
parâmetros de densidade, apesar de fazer referência às prescrições
do código de urbanismo; ela limita-se a legislar sobre o gabarito
das edificações, deixando de lado, portanto, os demais índices
urbanísticos, que com o gabarito determinam a forma de
ocupação no lote e a geometria da edificação.
A morfologia resultante da
verticalização predial que vem ocorrendo nos referidos bairros começa
a apresentar não só problemas relacionados com a ventilação, mas
também problemas de circulação urbana. As características do
sistema fundiário concomitantemente com os índices
urbanísticos permitidos podem resultar em altas densidades
para os padrões locais, mesmo na faixa de quinhentos metros
onde incide a restrição imposta pela Constituição Estadual da Paraíba
e pelo Plano Diretor de João Pessoa. Por serem habitados pelas
classes média e alta, os bairros em foco possuem uma alta taxa
de automóveis por habitação, e conseqüentemente um grande
número desses, os quais, somados com os demais automóveis que
por eles circulam começam a produzir pontos de
congestionamento.
A presente pesquisa foi instigada pelos
seguintes fatores: a polêmica recorrente sobre a liberação do
gabarito em vigor, patrocinada pelo segmento da construção civil; a
constatação da modificação da paisagem urbana nos três bairros em
questão; e os resultados de pesquisas recentes na área do
conforto ambiental.
2. Recorte geográfico da pesquisa
Os bairros do Cabo Branco, de Tambaú e
de Manaíra foram escolhidos como recorte geográfico para
investigação (a) por terem sido objeto de grandes investimentos
públicos e privados, que têm contribuído para a alteração da
paisagem e para uma intensificação dos usos, (b) por neles já
terem sido detectadas alterações na ventilação intra-urbana,
em conseqüência da verticalização, e (c) por começarem eles a
apresentar problemas no funcionamento do sistema viário. Outro
aspecto que foi levado em conta na escolha foi a vocação turística
e o patrimônio paisagístico de tais bairros, que o tornam
vulneráveis a especulações.
3. Gênese da restrição de gabarito na orla marítima de João Pessoa
Buscou-se, antes de fazer a análise da
aplicação da restrição em foco ao longo do tempo da sua
vigência, entender os conceitos que a geraram, e para isso foi feita
uma pesquisa de sua origem. Onde foram entrevistados
profissionais envolvidos com a elaboração da Lei e, pesquisa
direta em documentos da Assembléia Legislativa da Paraíba.
Ao analisarmos os conceitos que
fundamentaram a criação do artigo 164 da Emenda Constitucional
nº 01 de 1970 constatamos que há fortes indícios apontando a
construção do Hotel Tambaú como o fato que teria suscitado a
introdução do referido artigo.
O Hotel Tambaú é uma edificação de dois
pavimentos. Seu arquiteto, Sergio Bernardes, na intenção de
preservar a escala do seu projeto, propôs a proibição de construções
com mais de dois pavimentos na avenida beira-mar, que foi
concretizada com o citado artigo. A área de abrangência da
restrição dizia respeito apenas à primeira avenida da orla, no
trecho compreendido entre as praias da Penha e Formosa. Por
isso ela se mostrou frágil, na medida que deixou de considerar
as várias escalas de percepção da paisagem, pois nas ruas
vizinhas era permitida a construção de edificações verticais. Ela não
impedia, portanto, que os bairros litorâneos se desenvolvessem
tomando a forma de uma paisagem verticalizada.
Duas restrições subseqüentes tentaram
superar essa fragilidade. A primeira (que serviu de base para a
formulação da segunda) foi introduzida pelo IPHAEP, que adotou um
escalonamento de gabaritos abrangendo toda a área dos bairros
da orla marítima de João Pessoa. A outra foi o artigo 229 da
Constituição Estadual de 1988, que instituiu o mesmo mecanismo
na faixa de 500m contígua a toda a orla marítima da Paraíba.
O fato de esta última restrição vigorar
apenas na mencionada faixa de 500m não é suficiente para
garantir a qualidade ambiental dos bairros pesquisados.
Algumas constatações merecem ser destacadas:
- nenhuma das restrições apontadas proíbe a verticalização na orla marítima;
- as restrições adotadas, que tinham como argumento principal a preservação da paisagem, não levaram em conta as várias escalas de percepção da paisagem;
- o fato que provavelmente gerou a primeira restrição, a construção do Hotel Tambaú, foi, na verdade, um evento que causou um impacto ambiental nas praias de Tambaú e Manaíra. Se fosse proposta hoje, em razão da legislação ambiental atual, essa obra certamente não seria aprovada pelos órgãos ligados à defesa do meio ambiente;
- cada bairro apresenta respostas diferentes à aplicação do conjunto das normas vigentes, devido às especificidades físico-espaciais, à acessibilidade, ao tamanho do bairro e o zoneamento, e isso deveria ser levado em consideração em qualquer proposta de modificação da legislação.
Os fatos mostram que a busca da
preservação paisagística foi desencadeada por eventos como a
construção de edifícios verticais, os chamados “espigões”,
principalmente no trecho da orla que vai do Hotel Tambaú até a
extremidade do Cabo Branco, como o edifício João Marques de
Almeida, quase da mesma época do referido hotel.
O controle da densidade não foi
contemplado no artigo 229 aqui estudado, na medida que ele regula
apenas o gabarito das edificações. A restrição por ele imposta não é
suficiente para o controle da densidade, visto que vários
fatores contribuem para a definição da densidade de um lugar.
É notório que o escalonamento do
gabarito moldou uma morfologia urbana que é específica dos bairros
da orla marítima, marcada por uma verticalização moderada na
referida faixa de 500m, mas, não impediu a verticalização
nesses bairros.
4. Implicações da aplicação do artigo 229 no adensamento da orla marítima de João Pessoa
A capital paraibana tem uma densidade
média baixa, em torno de 27,18 hab/ha, e a média das
densidades dos seus bairros fica em torno de 75 hab/ha. Embora se
associe verticalização com altas densidades, os bairros mais
densos da cidade não são os verticalizados, mas os que
concentram famílias de baixa renda – nos quais a densidade
fica acima de 120 hab/ha, chegando a 170,73 hab/ha no bairro
de Mandacaru. Alguns deles eram antigas favelas, como o bairro
de São José, que margeia o rio Jaguaribe, limite oeste do bairro
de Manaíra. Os três bairros objeto desta dissertação apresentam
densidades brutas entre 43 e 70 hab/ha e a população neles
residente é detentora dos maiores valores de rendimento médio
na cidade de João Pessoa.
O potencial de adensamento dos três
bairros em questão ainda apresenta uma folga considerável em
relação à densidade preconizada pelo atual Plano Diretor de João Pessoa
que é de 150 hab/ha. Devido à configuração e ao estágio de
ocupação desses bairros, o adensamento ocorrerá fatalmente
através da verticalização, como já vem ocorrendo.
Embora os defensores do adensamento e da
compactação das cidades defendam ferrenhamente essas medidas,
é preciso que o adensamento se produza de forma viável, sem
comprometer o funcionamento da cidade e a qualidade de vida.
Interessa saber se o mecanismo do
escalonamento de gabaritos e as demais normas urbanísticas
municipais vão levar a um adensamento viável da orla marítima de João
Pessoa.
Podemos verificar isto calculando a
densidade futura desta área num cenário por nós estabelecido –
mantidos o mecanismo e as normas referidas no parágrafo anterior.
4.1 Metodologia da pesquisa
Para determinar essa densidade
escolhemos uma amostra representativa da área, elaboramos uma
hipótese de ocupação dessa amostra e calculamos a densidade líquida
dela; depois transformamos esta em densidade bruta
aplicando-lhe um fator de conversão.
A amostra escolhida engloba cinco
quadras do bairro de Tambaú, que com as ruas que lhe são
contíguas, perfazem uma área de cerca de 10ha. Elas limitam-se ao norte
com a Av. Nego e a oeste com a Rua Monteiro Lobato. Para
facilitar os cálculos demos um novo parcelamento a elas.
A hipótese de ocupação adotada assenta-se nas seguintes premissas:
- 60% da área das quadras seria ocupada por edifícios multifamiliares e 40% por casas (ou seja, não consideramos a hipótese de adensamento máximo);
- Os lotes unifamiliares teriam em média 460m² de área;
- Os edifícios multifamiliares teriam a altura máxima permitida e sua taxa de ocupação seria a máxima admissível;
- O pé esquerdo dos pavimentos desses edifícios seriam de 2,90m;
- Nesses edifícios, a quota da área do andar por apartamento (isto é a área deste mais sua quota de área comum no andar) seria de cerca de 120m2.
Com esses parâmetros foi possível
calcular o número de habitações das cinco quadras (o cálculo
foi feito por quadra). Multiplicando-se esse número pelo número médio
de moradores por domicílio no bairro constatado pelo IBGE em
2000 (ou seja, 3,58) tem-se a população das cinco quadras.
Confrontando-se esta com a área total das quadras chega-se à
densidade líquida da amostra.
Convencionou-se que o fator de conversão
da densidade líquida em bruta seria 0,6. Este número
significa que 60% da área considerada seria destinada a habitações e o
restante ao sistema viária, áreas verdes e usos não
residenciais – repartição bem próxima daquela verificada nos
três bairros estudados.
A hipótese de ocupação a que chegamos é
mostrada na Planta 03. O cálculo do número de habitações é
apresentado, por quadra. Segue-se a ele o cálculo da densidade.
Observe-se que em nenhuma das quadras o
índice de aproveitamento permitido, ou seja, 4, chegou a ser
atingido, em razão dos moderados gabaritos nelas vigente.
Cálculo do número de habitações
Quadra 01 |
||||
Área da quadra (S) | 20.928,18 m² = 2,09 ha | |||
Parâmetros das legislações | ||||
Gabarito | Av.Almirante Tamandaré | 12,90 m | ||
Av. Antônio Lira | 17,19 m | |||
Coeficiente de aproveitamento máximo | 4 | |||
Taxa de ocupação para o uso R5 (5) | 40% | |||
Cálculo das unidades habitacionais | ||||
Apartamentos | ||||
Terreno destinado às habitações multifamiliares (60% de S) | 12.556,90 m² | |||
Quantidade de prédios | 5 | |||
Tamanho médio dos lotes | 2.511,38 m² | |||
Área do andar (40% do lote) | 1.004,40 m² | |||
Quantidade de apartamentos por andar até o 3° andar | 8 | |||
Quantidade de apartamentos no 4° andar (cobertura) | 4 | |||
Quota do andar por apartamento | 125,56 m² | |||
N° de pavimentos na av. Almirante Tamandaré | Pilotis + 3 | |||
N° de pavimentos na av. Antônio Lira | Pilotis + 4 | |||
Quantidade de apartamentos | 140 | |||
Casas | ||||
Terreno destinado às habitações unifamiliares (40% de S) | 8.371,27 m² | |||
Tamanho médio dos lotes | 465,00 m² | |||
Quantidade de lotes e casas | 18 | |||
Quantidade total de unidades habitacionais | 158 | |||
O método mostrado na tabela 01 foi repetido para as demais quadras da amostra.
Cálculo do número de habitações
Resumo |
|||
n° de casas | n° de apartamentos | n° de unidades habitacionais | |
Quadra 01 | 18 | 140 | 158 |
Quadra 02 | 14 | 132 | 146 |
Quadra 03 | 14 | 168 | 182 |
Quadra 04 | 14 | 204 | 218 |
Quadra 05 | 13 | 240 | 253 |
Total | 73 | 884 | 957 |
Cálculo da densidade
Área total das quadras | 8,59 ha |
Total de unidades habitacionais nas 5 quadras | 957 |
Média de habitantes por unidade habitacional | 3,58 |
População total das quadras | 3.426 |
Densidade líquida do conjunto das quadras | 398,8 hab/ha |
Densidade bruta correspondente | 239,3 hab/ha |
Essa densidade bruta é quase 60% maior
que aquela determinada pelo Plano Diretor da cidade (150
hab/ha). Ela aumentará se um percentual maior da área das
quadras for destinado a edifícios multifamiliares (por exemplo, 80% em
vez dos 60% aqui convencionados) ou se a área média dos
apartamentos adotada nos cálculos for diminuída.
De posse desses números, vejamos agora
quais os impactos que o adensamento previsto poderá causar no
sistema viário e de circulação da área da amostra. Vamos nos limitar
a considerar apenas esse item infra-estrutural porque em bairros
de renda elevada ele é o que é mais prejudicado por um
crescimento exagerado da densidade – e também porque
deficiências nele são particularmente danosas ao funcionamento
urbano e à qualidade de vida da população. As outras
infra-estruturas suportam melhor adensamentos que não sejam muito
acentuados.
4.2 Repercussão do adensamento no sistema viário da orla marítima de João Pessoa
O adensamento previsto vai provocar um
substancial aumento do número de veículos circulando na área.
Mas por ser muito difícil quantificar tal aumento e medir as suas
conseqüências, e por não termos condições de fazer isto, não
efetuamos a análise deste aspecto.
Outra repercussão do adensamento será o
crescimento do número de automóveis estacionados nas ruas,
que, se for grande, poderá dificultar o trânsito através da
redução da área disponível para a circulação veicular. Temos condições
de explorar este aspecto, calculando a quantidade de vagas de
estacionamento disponível nas ruas e estimando quantos veículos
demandarão estas vagas.
O adensamento de um bairro pode ter
impactos diferentes, de acordo com as características
peculiares de cada localidade. Fatores como acessibilidade,
infra-estrutura existente e renda da população residente
produzirão um contexto específico, que somado a costumes e
hábitos refletir-se-ão na forma de ocupação do espaço urbano.
No Brasil um bairro de classe alta e
média terá uma quantidade de automóveis por habitação bem
maior que aquela de um bairro com predominância de habitantes das
classes média-baixa e baixa. O tipo e a qualidade do transporte
público oferecido é outro fator que influi na utilização do
automóvel particular como meio de transporte principal. Num
bairro em que predominam outras modalidades de transporte,
como ônibus, motocicleta e bicicleta, o sistema viário poderá,
sem maiores danos, comportar um adensamento populacional que
seria muito prejudicial numa área monopolizada pelo automóvel
particular.
Identificamos nos bairros que compõem
nosso objeto de estudo uma população de classe média e alta
que detém as maiores rendas da cidade de João Pessoa, segundo dados
do IBGE. Isso determina um poder aquisitivo que possibilita a
posse de mais de um automóvel por domicílio, podendo até cada
ocupante adulto de uma habitação, possuir um automóvel. Nesses
bairros são comuns domicílios com dois ou três automóveis.
Fizemos a análise na mesma amostra
adotada no cálculo da densidade. Calculamos a quantidade de
vagas de estacionamento que existem nas ruas contíguas às cinco quadras
da amostra. E a partir do número de habitações previsto para a
área, conforme nossa hipótese de ocupação, estimamos quantos
carros pertencentes aos moradores delas irão disputar essas
vagas.
As vagas teriam a maior dimensão
paralela ao meio-fio e seu comprimento seria 5,50m. A largura
das ruas só permite que elas sejam oferecidas num único lado delas e
uma das vias, a rua Profª Maria Sales, não comporta
estacionamento, por ser estreita e ter função arterial. Na Av.
Almirante Tamandaré não computamos as vagas existentes junto
ao calçadão da praia, por considerarmos que elas seriam
destinadas aos visitantes atraídos pela praia e os equipamentos
da beira-mar. Nas ruas que margeiam a área da amostra ao norte, ao
sul e a oeste computamos apenas a metade das vagas existentes,
por entendermos que a outra metade seria ocupada pelos
veículos dos moradores dos edifícios situados no entorno
imediato da área.
O número de vagas a que chegamos é 233.
Como vimos, com a hipótese de adensamento formulada o número
de apartamentos na área da amostra chegaria a 884 unidades. Se
a metade deles possuírem um carro a mais do que a quantidade das vagas
a eles alocadas dentro do lote em que cada um se situa (seja
porque eles dispõem de uma vaga, mas possuem dois carros, seja
porque eles dispõem de duas vagas mas possuem três carros),
haveria na área 442 automóveis disputando as 233 vagas de
estacionamento disponíveis nas ruas. (Note-se que a legislação
em vigor exige que os edifícios multifamiliares contenham
apenas uma vaga de estacionamento para cada apartamento com área não
superior a 150m2.).
Mesmo que todas essas vagas fossem
ocupadas por esses veículos (o que é improvável porque algumas
delas seriam utilizadas por carros de visitantes), haveria mais de 200
automóveis sobrando e estes certamente seriam estacionados no
outro lado da rua, estrangulando o fluxo veicular em quase
todas as vias da área. Esse tipo de estrangulamento já
acontece hoje na Rua Maria Rosa, em Manaíra, entre as Ruas
Manoel Morais e Bananeiras, trecho que dá uma boa mostra do
comprometimento do sistema viário que estamos aqui prevendo.
Vê-se, portanto, que o aumento da
demanda de vagas de estacionamento nas ruas, sozinho, já
causaria danos irreparáveis ao sistema de circulação veicular, com
graves conseqüências para o funcionamento urbano e a qualidade
de vida da população.
Considerações finais
Com a simulação aqui feita ficou
demonstrado que, caso a orla continue sendo adensada de acordo
com as restrições vigentes, mesmo na faixa em questão poderá se
atingir uma densidade bem superior àquela proposta pelo Plano
Diretor, que é de 150 hab/ha – chegando a 239 hab/ha, mesmo
que apenas 60% da área das quadras seja destinada a habitações
multifamiliares.
Na 5ª quadra da área objeto da simulação
a densidade bruta ficou próxima de 350 hab/ha, tendo o
coeficiente de aproveitamento chegado a 3.
Como o aproveitamento máximo permitido
pela legislação municipal é de 4, nas áreas dos bairros da
orla que estão fora da faixa de 500m em questão – nas quais não
existe restrição de gabarito –, a densidade poderá chegar a níveis
bem mais elevados.
Por ter a maior parte da sua área
localizada dentro de tal faixa, o bairro do Cabo Branco está
submetido a um controle maior da densidade, que mesmo assim lá poderá
superar o patamar fixado pelo Plano Diretor. Já os bairros de
Tambaú e Manaíra, de maior largura, possibilitam um forte
adensamento, proporcionado por edifícios muito altos
localizados fora da faixa considerada.
Fica evidente que existe uma contradição
entre a densidade estabelecida pelo Plano Diretor e, de um
lado, o índice de aproveitamento 4 por ele permitido e, do outro,
a ausência de limite de gabarito no trecho da orla situado fora da
faixa de 500m considerada.
Só com um índice de aproveitamento bem
menor e com a adoção de um gabarito relativamente baixo é que
aquela densidade poderia ficar no patamar que lhe foi fixado pelo
Plano Diretor.
Percebe-se nos conceitos que permearam a
elaboração do artigo 229 aqui discutido a preocupação de se
evitar um adensamento da orla que poderia ter reflexos negativos
na circulação de veículos, com a formação de congestionamentos –
preocupação essa que não foi embasada em números. Ao simularmos o
provável adensamento aqui apresentado, vimos que o
escalonamento do gabarito em vigor não impediria um
adensamento bem maior do que aquele que a área seria capaz de
suportar em termos da oferta de vagas de estacionamento no
sistema viário.
Aliás, mesmo atualmente, trechos dos
bairros estudados já apresentam problemas de congestionamento
das ruas devido ao excessivo número de veículos nelas estacionados, o
que vem reforçar a preocupação de se considerar, nas discussões
do gabarito da orla marítima, a questão da densidade.
Exigir duas vagas por apartamento – uma
medida dura e que encareceria o custo da moradia – atenuaria o
problema mas não o resolveria, pois a tendência é que no
futuro muitos apartamentos demandem a provisão de três vagas.
Note-se que mesmo os prédios que dispõem
de vagas suficientes para seus habitantes, requerem espaço
nas vias públicas para o estacionamento dos veículos de seus
visitantes.
Portanto a saída mais viável é não
permitir que um forte adensamento aconteça. Acrescente-se que
uma expressiva densificação populacional da orla marítima demandaria
uma grande quantidade de investimentos públicos, que poderiam
ser aplicados em outras áreas da cidade carentes de
infra-estrutura.
O índice de aproveitamento 4 pode levar a
uma densidade bruta de mais de 500 hab/ha (atingível com
edifícios de apenas 14 andares), que não é compatível com o tipo de
estrutura urbana existente nos bairros estudados e está muito
acima do que seria recomendável de acordo com padrões
ambientais sadios.
Para se alcançar a densidade proposta
pelo Plano Diretor (150 hab/ha) bastaria um índice de
aproveitamento de apenas 1,5 – isso considerando que somente
60% da área destinada ao uso residencial fosse ocupada com edificações
multifamiliares.
Portanto, não apenas o artigo 229 aqui
discutido, mas o conjunto dos instrumentos do ordenamento
urbano do município de João Pessoa precisa ser repensado em bases mais
avançadas que privilegiem questões como o conforto ambiental, a
eficiência energética e a articulação com o plano diretor de
transportes, entre outros.
A determinação de densidades compatíveis
com as características locais, como traçado urbanístico,
sistema fundiário e clima, são alguns itens que precisam ser levados em
conta na revisão das legislações. As densidades devem
estimular o desenvolvimento urbano e contribuir para que a
cidade exerça a sua função social.
Outro aspecto que é relevante abordar é o
fato de que uma determinada densidade pode ser atingida com
diferentes morfologias urbanas. Assim a densidade constatada
nas cinco quadras aqui analisadas, condicionada pelo escalonamento de
gabaritos, poderia ser alcançada sem este – por exemplo, com
todos os edifícios multifamiliares contendo sete pavimentos.
Esta constatação e os resultados de pesquisas na área de
conforto ambiental que concluíram que o escalonamento em vigor
é condenável quando se analisa o comportamento dos ventos vêm
reforçar a necessidade de se repensar tal dispositivo.
Acrescentemos, para finalizar, que a
questão não é liberar ou proibir a construção de edificações
verticais na orla marítima pessoense, e sim definir que tipo de
ocupação se deseja para a área levando-se em consideração as
especificidades dos seus diferentes trechos.
notas
1 - É o índice que relaciona a área
construída com a área do lote. Limita a área máxima que vai
poder ser construída em cada lote.
2 - É o índice que relaciona a projeção
da área construída de uma edificação com a área do lote.
Determina, dessa forma, a porcentagem máxima do lote que pode
ser ocupada com construção e a porcentagem que deve permanecer
livre.
3 - Afastamento da edificação em relação aos limites do lote.
4 - Limite regulamentar de altura imposto pela legislação às edificações dentro de determinada área.
5 - R5: edifício residencial multifamiliar de três andares sobre pilotis.
Sobre a autora
Arquiteta e urbanista graduada
na UFPB, mestre em engenharia urbana pelo PPGEU/ UFPB,
professora do Centro Federal de Educação Tecnológica de Alagoas
-UNED-PI.
Veja também: A década perdida do planejamento urbano em João Pessoa "Isso aqui, ôô. É um pouquinho de Brasil, ai-ai...".
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