27/01/2012 10h34
- Atualizado em
27/01/2012 10h34
Após 30 produções, cidade recebeu o título de 'Roliúde Nordestina'.
Monumentos naturais e cultura do bode movimentam economia local.
Lajedo de Pai Mateus é o principal atrativo da região (Foto: Maurício Melo/G1) |
Apesar de ter apenas 5 mil habitantes, a cidade de Cabaceiras, na
Paraíba, já entrou na rota dos amantes do ecoturismo no Brasil. A cidade
ganhou popularidade depois de ser 'descoberta' por cineastas
interessados nos cenários naturais típicos do semiárido e na boa
luminosidade, que permitia mais tempo de filmagem por dia. Uma das
produções mais famosas é a minissérie O Auto da Compadecida, gravada na
região em 1998.
Desde então, Cabaceiras transformou-se em 'set' para, pelo menos, 30
filmes entre documentários e ficções. A vocação para o cinema e o clima
seco semelhante à Hollywood original norteamericana lhe renderam o
título de 'Roliúde Nordestina'. No currículo, além da adaptação das
aventuras de Chicó e João Grilo criadas pelo escritor paraibano Ariano
Suassuna, estão os filmes 'Cinema, Aspirinas e Urubus', 'Romance' e a
microssérie 'A Pedra do Reino'. As gravações mais recentes foram feitas
para a novela 'Aquele Beijo'.
O município fica localizado a 199 km da capital João Pessoa e o acesso
se dá por estradas estreitas, incluindo trechos de terra. Para quem
viaja de ônibus, é possível sair de Campina Grande, que fica a 66 km de
distância. A cidade está localizada na microrregião do Cariri paraibano,
ornamentada por uma vegetação rasteira que se alterna entre galhos
secos e um verde discreto. Apesar de registrar o menor índice
pluviométrico do país, as plantas locais conseguem alcançar lençóis
freáticos e deles obter água.
As boas-vindas são dadas pelo letreiro 'Roliúde Nordestina', instalado
em uma serra na entrada da cidade. Depois da parada obrigatória para
foto, o visitante encontra o espaço que sedia anualmente a Festa do Bode
Rei, criada em 1998 para valorizar a caprinovinocultura. De acordo com o
Sebrae, o evento dura quatro dias e atrai cerca de 50 mil pessoas.
O bode, que antes era visto como alimento para famílias pobres, hoje é
uma das principais atividades econômicas do Cariri. Sua carne ganhou
espaço em mercados, virou recheio para almôndegas, pizzas, linguiças,
estrogonofe (ou estrogobode), tapiocas (bodioca) e até panquecas e chega
a ser estrela em festivais de alta gastronomia.
Cidade cinematográfica
A poucos metros de distância do local que sedia a Festa do Bode Rei, o
turista já encontra o Centro da cidade, cujas casas antigas e até a
cadeia pública foram cenários de filmes. A Igreja de Nossa Senhora da
Conceição, padroeira da cidade, abrigou algumas das últimas cenas de 'O
Auto da Compadecida', onde os personagens são submetidos ao 'juízo
final'. A infraestrutura das ruas teve que ser adaptada para o enredo, a
exemplo de postes que foram retirados. Entre os moradores, muitos já
acumulam um extenso currículo como figurantes.
Na mesma manhã, é possível visitar também o Memorial Cinematográfico,
onde são expostas fotografias, roteiros e material usado nas gravações, e
o Museu Histórico dos Cariris, que abriga antiguidades e peças
artesanais produzidas na região. O artesanato local também é atração na
Casa de Zé de Cila, apelido de José Nunes, figura da cidade que adora um
bate-papo sobre recordações de acontecimentos históricos e que
participou das grandes produções que passaram pelo local.
Como o bode é rei na cidade, a cabrita é a rainha. É dela que vem uma
bebida típica que vale conferir antes do turista se despedir do Centro. É
o Xixi de Cabrita, um licor suave que mistura leite de cabra,
aguardente e baunilha. A receita completa, porém, é segredo.
Ribeira concentra produção artesanal à base de couro (Foto: Karoline Zilah/G1) |
Seguindo 14km por uma estrada de terra, chegamos ao distrito de Ribeira
de Cabaceiras, comunidade rural que concentra a produção do artesanato
em couro de cerca de 30 oficinas. Juntos, 72 'sócios' mantêm desde 1998 a
Cooperativa dos Curtidores e Artesãos em Couro de Ribeira de
Cabaceiras, que beneficia cerca de 200 pessoas diretamente. Batizada com
o nome fantasia de Arteza, a cooperativa produz sandálias, chapéus,
carteiras, bolsas, cintos e outros acessórios, tudo de couro de boi e
bode.
Segundo o diretor presidente José Carlos de Castro, são mais de 100
anos de tradição dos curtumes com técnicas manuais de processamento do
couro repassadas pais para filhos. Com a ajuda de consultorias sobre
moda e gerenciamento, o que era rústico virou negócio e a cooperativa
recebeu investimentos no maquinário para aprimorar o acabamento e
aumentar a quantidade.
Hoje a Arteza distribui seus itens para venda em João Pessoa, Natal,
Brasília, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo. Também participou
de feiras internacionais de artesanato, recebendo encomendas de Espanha,
Portugal e Alemanha. Em sua sede no distrito de Ribeira é possível
acompanhar o passo a passo do processo de criação das peças e comprar
artigos para usar ou presentear.
Disposição das pedras da Saca de Lã desafia turista a acreditar que não houve interferência humana (Foto: Karoline Zilah/G1) |
Saindo do distrito de Ribeira, o visitante segue de carro por mais 10km
de estrada de terra para chegar até a antiga fazenda Tapera, que hoje
abriga o Hotel Fazenda Pai Mateus. Adentrando a propriedade chega-se aos
dois bens ecológicos mais preciosos de Cabaceiras: a Saca de Lã e o
Lajedo de Pai Mateus. Ambos também serviram de locações para filmes,
mas, além de atrair amantes da sétima arte para conhecer os cenários
naturais, estão se tornando populares pelos passeios com trilhas e
esportivos, como trekking, bike e rapel.
A primeira parada é o monumento natural Saca de Lã, que recebeu este
nome por lembrar pacotes de algodão empilheirados de Campina Grande, na
época em que a cidade era uma das maiores exportadoras do mundo. Devido
ao sol forte, o guia Ribamar Farias recomenda que o passeio seja feito
pela manhã, entre as 7h e as 10h. O visitante segue por um trilha de
arbustos típicos da caatinga até se surpreender com o que vê pela
frente: um monumento de pedras empilhadas.
Custa a acreditar que a obra não foi feita pelo homem, mas sim pela natureza. Segundo o guia, estudiosos dizem que um processo demorado – de milhares de anos – fez com que uma única pedra rachasse em blocos em forma de paralelepípedos. Além disso, a erosão molda as pontas, o que deixou a estrutura em forma de pirâmide. Árvores também crescem nas brechas e suas raízes ajudam a separar os blocos. “Diz a lenda que os egípcios se inspiraram na Saca de Lã para criar suas pirâmides”, brinca Ribamar.
Com a orientação de um guia de turismo capacitado, é possível escalar a
Saca de Lã e adentrar suas rachaduras. As pedras são ocas por dentro, o
que permite o aventureiro a chegar ao topo do monumento.
Lajedo de Pai Mateus
A formação rochosa de 1,5 km² é composta por cerca de 100 blocos de
pedras arredondadas e foi eleita a primeira entre as Sete Maravilhas da
Paraíba, em votação popular promovida pela Assembleia Legislativa em
2010.
Blocos do lajedo têm formatos curiosos, como a Pedra do Capacete (Foto: Maurício Melo/G1 PB) |
O local recebeu este nome devido à lenda do curandeiro Pai Mateus, que
teria morado em uma das pedras no século XVIII e era considerado pelos
moradores como uma personalidade sagrada, por usar ervas medicinais em
época de escassez de profissionais na região. Além da pedra em forma de
'cumbuca' de sopa invertida, onde ele teria morado, a Pedra do Capacete é
uma das mais interessantes devido ao seu formato.
O melhor horário para visitação é entre as 15h e as 18h, durante o por
do sol, que ilumina as rochas com um aspecto dourado – fenômeno
responsável por atrair fotógrafos de várias partes.
Italiano Bruno De Nicola reconheceu cenários de novela pela cidade (Foto: Karoline Zilah/G1) |
O consultor em Comunicação italiano Bruno De Nicola mora no Brasil há
sete anos, mas visita pela primeira vez a Paraíba. Depois de seis dias
no estado, ele revela que sempre teve o desejo de conhecer a região e,
apesar da beleza das praias, ficou impressionado com o processo de
erosão e formatos das pedras da Saca de Lã e do Lajedo.
"Reconheci alguns cenários do começo da novela. Também gostamos muito também da receptividade dos moradores locais", comenta.
Uma das opções de passeio é a trilha por sítios arqueológicos. Nos
pequenos lagos dos arredores, há fósseis de animais históricos e algumas
pedras contêm inscrições rupestres ainda visíveis, que teriam sido
deixadas por índios cariris há cerca de 12 mil anos. Acredita-se que o
local era cultuado como sagrado e utilizado como centro cerimonial, por
isso muitos visitantes consideram o espaço místico e perfeito para
contemplar o por do sol e revigorar as energias.
Cerca de 100 blocos milenares de granito compõem paisagem do lajedo (Foto: Karoline Zilah/G1) |
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