08/06/2012 07h00
- Atualizado em
08/06/2012 07h00
'Agora sei o que é a natureza', diz dono de bar destruído em Pernambuco.Adaptação a desastres será debatida na conferência Rio+20.
Luna Markman e Krystine Carneiro Do G1, em Recife e João Pessoa*
Casas e ruas destruídas, famílias forçadas a se mudar. Principalmente
nos últimos 50 anos, a costa brasileira foi ocupada de forma intensiva
e, em muitos pontos, a natureza está cobrando de volta o seu espaço.
“Certamente, no Brasil temos mais erosão que progradação”, afirma o
geógrafo Dieter Muehe, professor da UFRJ e organizador de um
levantamento do governo federal sobre os pontos onde o oceano está
avançando sobre a terra, bem como onde as praias estão aumentando de
largura (processo conhecido como progradação).
O litoral tem um dinamismo natural, mas, segundo o professor, a
interferência humana também é importante, em especial as construções que
são feitas na linha costeira.
(Do dia 1º a 9/6, o G1 publica uma série de reportagens abordando os principais temas que serão discutidos Rio+20.)
O deslocamento de contingentes populacionais por causa do avanço do mar
é um dos problemas com que a humanidade deve lidar no futuro, ao lado
de outros desastres, como furacões, enchentes, secas extremas,
terremotos, entre outros.
A conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável, Rio+20, vai
discutir como o ser humano pode se adaptar melhor a esses fenômenos. As
Nações Unidas estimam que 226 milhões de pessoas sejam afetadas por
desastres todos os anos no mundo.
A associação da erosão marinha no Brasil com as mudanças climáticas e
um aumento do nível do mar não fica excluída, mas tampouco está
comprovada, diz Muehe. “Ainda não temos uma estatística que possa dizer
que haja essa relação. Em termos globais, o nível do mar está subindo.
Mas a Terra não é estável. Localmente, não sabemos ainda”, explica.
Em Pernambuco, a erosão causada pelo mar é um problema verificado pelo
Ministério do Meio Ambiente (MMA) em quase um terço das praias.
A dinâmica natural das correntes marítimas e, principalmente, a
intervenção humana na costa, deixaram 24 pontos da orla com menos faixa
de areia e estruturas destruídas pelo avanço do mar. Nos pontos mais
críticos da Região Metropolitana do Recife, o G1 encontrou pessoas que tiveram tudo levado pela força das águas, mas continuam desafiando a natureza.
Ao longo dos anos, e de forma isolada, municípios do litoral
pernambucano colocaram em prática algumas alternativas, como muros de
proteção, diques, quebra-mares e molhes (estruturas que desviam a
corrente marinha). Algumas dessas intervenções, segundo estudiosos,
interferiram de forma negativa.
Maria de Lurdes Cordeiro viu a força do mar destruir a casa onde viveu com a família por 30 anos, na orla de Olinda (Foto: Luna Markman / G1) |
O português Hélder Silva trocou a vida de empresário da construção
civil para ser dono de bar, na Ilha de Itamaracá, no Litoral Norte de
Pernambuco. Em visita ao Recife, a trabalho, conheceu a Praia Forno da
Cal e se apaixonou. Em 2007, veio trabalhar como ajudante em um
restaurante.
Viu mais da metade do estabelecimento ir por água abaixo com o avanço
do mar. Mesmo assim, no ano passado, comprou o que restou para
trabalhar. "Não me arrependo. Vim em busca de qualidade de vida. Vou
agora de férias a Portugal, mas já penso em voltar logo. Vou morrer
aqui", diz.
mostrou a situação do avanço do mar na Praia
de Maracaípe, em Ipojuca, Litoral Sul de
Pernambuco. Veja no vídeo ao lado.)
Maria de Lurdes Cordeiro, 52 anos, mora na Praia dos Milagres, em Olinda
(PE). Viu aos poucos o mar destruir ruas e residências em volta da casa
onde vivia com o marido e o filho há quase três décadas. Até que chegou
a sua vez. “A água acabou com tudo que meu marido levantou com o
dinheiro suado dele”, lamenta.
Mesmo com a perda, Maria de Lurdes mudou-se para o imóvel ao lado e
continua correndo o mesmo risco. Em noite de maré cheia, o medo
reacende. “A Prefeitura [de Olinda] me ofereceu só R$ 130 de auxílio
moradia para eu me mudar. Mas eu vou para onde com esse dinheiro, para
uma favela?”, reclama.
Em Paulista, município vizinho, a situação é semelhante nas praias do
Janga e Pau Amarelo. Há 31 anos, José Carlos Soares tem a praia em
frente ao Forte de Pau Amarelo como local de trabalho. Montou dois
bares. Um deles foi completamente destruído pelo mar, em 1999, o que
obrigou o comerciante a recuar 50 metros para reconstruir o segundo
estabelecimento.
“Foi muito rápido, coisa de três, quatro meses. A gente ia dormir sem
saber se o bar iria estar de pé no outro dia”, conta. O Bar do Zito
virou, então, Brisa do Mar. “Mesmo tendo ficado meio desgostoso, quis
colocar esse nome porque agora sei o que é a natureza”, conta.
O
entulho foi a forma encontrada por José Carlos Soares para manter de pé
o bar que tem em Pau Amarelo, Paulista (Foto: Luna Markman / G1)
|
Soares investiu R$ 500 para colocar entulho onde as ondas se chocam
contra o estabelecimento, na maré cheia, dando um ar ainda mais desolado
ao local. Trechos do calçadão, bancos da orla destruídos e imóveis
desvalorizados formam o saldo atual do avanço do mar no Janga.
A professora Márcia Cordeiro pôs à venda a casa onde vive, na orla, e
percebeu que seu preço despencou. “Corretores dizem que vale até R$ 1
milhão, pelo tamanho do terreno, mas estou negociando por R$ 600 mil.
Quero crer que vai haver alguma obra de contenção por aqui”, comenta.
SITUAÇÃO ATUAL DE ALGUMAS DAS PRAIAS DA REGIÃO METROPOLITANA DO RECIFE |
---|
Extensão da orla | Praias | Tipos de obras |
---|---|---|
Jaboatão 7,9 km |
Piedade, Candeias e Barra de Jangada | Enrocamentos, espigões e muros |
Recife 13,4 km |
Boa Viagem, Pina e Brasília Teimosa | Arrecifes e enrocamentos |
Olinda 12,2 km |
Milagres, Carmo, São Francisco, Farol, Bairro Novo, Casa Caiada e Rio Doce |
Enrocamentos, espigões e muros |
Paulista 14,4 km |
Enseadinha, Janga, Pau Amarelo, Nossa Senhora do Ó, Conceição e Maria Farinha | Enrocamentos, espigões e muros |
Fonte: Relatório de impacto ambiental da obra de recuperação da orla marítima em quatro cidades do Grande Recife, desenvolvido pelo Instituto Tecnológico de Pernambuco (Itep) |
Obras de contenção
Os primeiros registros de erosão
costeira em Pernambuco são de 1914, quando obras de ampliação do Porto
do Recife afetaram a orla de Olinda.
Posteriormente, os aterros de mangues, verificados na foz do Rio
Beberibe (limite dos municípios de Recife e Olinda), contribuíram para
acelerar o processo erosivo já instalado na Praia dos Milagres - ela
perdeu 80 metros entre 1914 e 1950. A Praia do Farol, que fica próxima,
também foi afetada, tanto que o próprio farol teve que ser recolocado em
um ponto mais alto da cidade.
As primeiras obras de contenção em Olinda ocorreram em 1950. Essas intervenções mexeram com a dinâmica sedimentar na orla, provocando erosão na vizinha Paulista. Como forma de contenção, criou-se um sistema de quebra-mares associados a espigões, que foram posteriormente ampliados.
Com o crescimento da cidade do Recife, o documento do Ministério mostra
que o sul de Boa Viagem, Candeias e Piedade, que se encontravam
estáveis, passaram a apresentar problemas de erosão decorrentes da
urbanização desordenada, com a ocupação da área pós-praia. Em 1990,
começaram obras emergenciais de engenharia para proteção dos imóveis,
quase sempre sem um estudos técnicos adequados.
Atualmente, há 900 habitantes por quilômetro quadrado vivendo no
litoral pernambucano, uma das maiores aglomerações do Brasil. Ele é
praticamente todo ocupado por obras públicas de contenção, como os 38
diques de Olinda e os 2,6 quilômetros de enrocamento [paredões] em Boa
Viagem, no Recife.
"A erosão costeira é uma reação da natureza à urbanização. A onda
precisa de espaço para dissipar a sua energia sem perturbar a praia. Se
ela não tem esse espaço, vai levando areia consigo. Algumas obras de
contenção pioraram o processo erosivo, como os quebra-mares de Paulista e
Olinda, pois foram executados de forma errada. Já os muros em Boa
Viagem ajudam a proteger o calçadão. Hoje, quase toda a costa apresenta
processos erosivos, varia apenas na itensidade", explica o professor
Valdir do Amaral Vaz Manso, da UFPE, que participou do levantamento
organizado por Muehe, o Macrodiagnóstico da Zona Costeira e Marinha do
Brasil.
Plano de emergênciaEm 2011, a Prefeitura de
Paulista decretou situação de emergência por erosão marinha, reconhecida
em abril deste ano pela Secretaria Nacional de Defesa Civil. Com o
decreto, o município conseguiu um convênio de R$ 14,5 milhões junto ao
Ministério da Integração para construção de um muro de contenção de 200
metros na faixa de areia e recuperação da malha viária e do calçadão.
Ministério
da Integração liberou R$ 14,5 milhões para revitalização de parte do
calçadão de Paulista, muro de 200m na faixa de areia e recuperação da
malha viária (Foto: Luna Markman / G1)
|
Atualmente, a Prefeitura de Olinda está revitalizando a orla do município. Em nota enviada ao G1,
o governo municipal informou que o trabalho para a contenção do avanço
do mar em toda a faixa litorânea foi feito por meio da colocação de
enrocamentos de pedra e recomposição dos espigões (espécie de dique).
Paraíba
Em João Pessoa, o Farol do Cabo Branco, um dos principais cartões postais da cidade, tende a desabar no mar em um período de 20 anos. A avaliação é do geólogo e analista ambiental da Secretaria do Meio Ambiente (Semam), Williams Guimarães. A estrutura, localizada no alto da Falésia do Cabo Branco, está em uma área que recua entre 0,46 e 1,92 metro por ano, devido à erosão causada pelo mar. Essa área ainda abrange a Praia do Seixas e a Praça de Iemanjá, próximas ao local.
Em João Pessoa, o Farol do Cabo Branco, um dos principais cartões postais da cidade, tende a desabar no mar em um período de 20 anos. A avaliação é do geólogo e analista ambiental da Secretaria do Meio Ambiente (Semam), Williams Guimarães. A estrutura, localizada no alto da Falésia do Cabo Branco, está em uma área que recua entre 0,46 e 1,92 metro por ano, devido à erosão causada pelo mar. Essa área ainda abrange a Praia do Seixas e a Praça de Iemanjá, próximas ao local.
O farol foi construído em 1972. No alto da falésia, duas áreas já
desmoronaram e foram cercadas pela Defesa Civil para impedir o acesso
dos visitantes.
“Por ser uma falésia ativa, ou seja, que tem interação direta com o
mar, ela é o tempo todo esculpida pela erosão de todos os tipos e isso
causa o seu recuo erosivo”, explicou Guimarães. “Se permanecer com esta
taxa de recuo, diagnosticada pelos estudos que foram elaborados para a
área, em aproximadamente duas décadas, o Farol do Cabo Branco tende a
cair”.
Na
foto, aparece a ponta do Farol do Cabo Branco em meio às árvores. Ao
lado, a estação Cabo Branco, projetada por Oscar Niemeyer. (Foto: Felipe
Gesteira/Secom João Pessoa/Divulgação)
|
Segundo a bióloga e ambientalista Rita Mascarenhas, a falésia iria cair
naturalmente, mas o processo foi acelerado. “Ela iria sofrer erosão com
o passar dos anos, normalmente. Mas o ser humano construiu prédios,
como a Estação Cabo Branco, colocou asfalto, desmatou e, por isso, o
solo ficou frágil e não está aguentando mais", justifica.
Para Rita, os fatores econômicos que envolvem aquela área tornam necessários um projeto de contenção da erosão.
Segundo dados da Semam, João Pessoa tem aproximadamente 24,5 km de
litoral e o Farol do Cabo Branco tem a maior visitação turística no
município, com mais de 70% de procura. Logo em seguida, está a Estação
Cabo Branco, projetada por Oscar Niemeyer e inaugurada em 2008, que
também está situada naquela área.
Cida Costa, proprietária de um comércio no alto da falésia, mostra área deslizamento isolada com cerca de madeira. (Foto: Krystine Carneiro/G1) |
A empresária Cida Costa, que possui um comércio no alto da falésia, diz
que não tem medo, apesar de uma parte da área turística ter deslizado
bem na frente da sua barraca, durante uma madrugada. “Estou aqui há 31
anos e não vou embora por causa de uma coisa que nem aconteceu ainda”,
conta.
Com o perigo de deslizamento no local, o acesso a carros no espaço em
frente ao farol foi proibido. Um projeto do governo prentende conter a
erosão na área da Falésia do Cabo Branco. A intervenção proposta para a
área é um "enrocamento aderente" (rochas colocadas) na linha da costa,
com o objetivo de dissipar a energia das ondas que batem na falésia.
Além disso, serão instalados quebra-mares na Praia do Seixas. As obras
estão previstas para começar até janeiro de 2013.
*Colaboraram G1PE e G1PB.
Fonte
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