Cidades,
Domingo, 04/03/2012
Domingo, 04/03/2012
Aline Guedes
“Tem lugares aqui que não dá mais para plantar nada. Não tem água que molhe esse chão. É tudo seco”. Esse é o clamor de José Anchieta Sousa, que mora na zona rural de Cabaceiras e ainda tenta fazer jus à ocupação de agricultor. A terra sem vida é resultado do processo de desertificação da caatinga, que avança rápido no Estado, fruto de décadas sem ações concretas do Governo para impedir. O bioma fará parte da roda de debates no Congresso Rio+20, em junho deste ano.
“Tem lugares aqui que não dá mais para plantar nada. Não tem água que molhe esse chão. É tudo seco”. Esse é o clamor de José Anchieta Sousa, que mora na zona rural de Cabaceiras e ainda tenta fazer jus à ocupação de agricultor. A terra sem vida é resultado do processo de desertificação da caatinga, que avança rápido no Estado, fruto de décadas sem ações concretas do Governo para impedir. O bioma fará parte da roda de debates no Congresso Rio+20, em junho deste ano.
No horizonte árido do Cariri e Sertão do Estado, o futuro que se
vislumbra é seco. Estudiosos prevêem que em aproximadamente 10 anos, 90%
do solo paraibano estará susceptível à infertilidade, caso nada seja
feito para reverter o quadro de degradação da caatinga. “Mesmo que
começássemos hoje a trabalhar contra a desertificação, ainda seria tarde
demais para boa parte do bioma”, disse o geógrafo Bartolomeu Israel de
Souza. Apenas no Cariri paraibano, quase 80% da área da região já está
desertificada.
Quando se fala em desertificação, já se pensa equivocadamente que
aquele lugar está virando um deserto, como o Atacama ou o Saara. Mas, o
geógrafo explica que um não tem ligação com o outro. A desertificação é o
nome dado ao processo de destruição da produtividade de terras
localizadas em áreas de baixa umidade. Segundo a Organização das Nações
Unidas (ONU), mais de 1 bilhão de pessoas em todo o mundo já sofrem com
as consequências da degradação.
O Estado da Paraíba abrange uma superfície territorial de 56.584 km²,
70% da qual localizada no polígono das secas. “Segundo dados do IBGE de
2007, dos 223 municípios existentes até o momento no Estado, 208 destes
estão sujeitos a ocorrência desse processo, o que implica em mais de 90%
do seu território”, relata o assessor da Secretaria Estadual de Meio
Ambiente e Recursos Hídricos e membro da Comissão Nacional de Combate a
Desertificação, Beranger Araújo. Apenas a faixa litorânea norte e sul
que não tem áreas afetadas pelo processo.
Na Paraíba, até hoje não há um mapeamento completo que possa
especificar a área que está desertificada. “O zoneamento por imagens de
satélite de boa qualidade é muito caro. Mas já planejamos captar
recursos para isso através do Programa Estadual de Combate à
Desertificação”.
A caatinga é um bioma unicamente brasileiro, compreendendo cerca de 900
mil km², ou seja, um pouco mais de 11% do território nacional. É o
terceiro maior, perdendo apenas para a floresta amazônica e para o
cerrado. “Existem estimativas que afirmam que, no mínimo, 80% da
vegetação está bastante descaracterizada, atualmente. A região sofreu
com muitos desmatamentos e queimadas, principalmente no final do século
19 até a década de 1980, durante o ciclo econômico do algodão”, explica
Bartolomeu.
O cultivo do algodão não é o único vilão da caatinga. Segundo o
geógrafo, carvoarias, produções de cerca e estações de lenha para
alimentar padarias e olarias também desgastam o solo. A desertificação é
causada, dentre outros fatores, pela salinização, que é a acumulação de
sal no solo. Esse processo compromete a produtividade agrícola das
terras.
“A caatinga é vista como a prima pobre”
“A caatinga é vista como a prima pobre entre os biomas do Brasil, apesar de ser o mais rico em fauna e flora entre todas as zonas secas do mundo. Só agora, a ciência está abrindo os olhos e tentando recuperar o tempo perdido”, analisa. A questão da caatinga na Paraíba não foi nem levada para a Eco-92, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento. Essa omissão do governo estadual e federal silenciou o grito de um bioma frágil, que naquela década já vinha perdendo suas características.
“A caatinga é vista como a prima pobre”
“A caatinga é vista como a prima pobre entre os biomas do Brasil, apesar de ser o mais rico em fauna e flora entre todas as zonas secas do mundo. Só agora, a ciência está abrindo os olhos e tentando recuperar o tempo perdido”, analisa. A questão da caatinga na Paraíba não foi nem levada para a Eco-92, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento. Essa omissão do governo estadual e federal silenciou o grito de um bioma frágil, que naquela década já vinha perdendo suas características.
“A Paraíba tem uma carência gigantesca de pesquisas nessa área. Só
começaram a surgir financiamentos públicos para desenvolver estudos
sobre a caatinga há uns 10 anos. Do total de pesquisas federais sobre
meio ambiente, estima-se que menos de 10% são destinadas para a
caatinga. Por esse motivo, a degradação é tão grande: estamos destruindo
o que nem conhecemos direito”.
Segundo o Ministério do Meio Ambiente, nessa região são registrados
mais de 900 espécies de plantas, 148 de mamíferos e 510 de aves. A
desertificação altera todo o ciclo do bioma: a fauna, a flora, a
vegetação. E com isso, surge outro problema crucial que afeta o homem do
campo: a subsistência. Sem animais para caçar e sem chão fértil para
plantar, a comunidade rural acabará migrando de vez para a zona urbana.
De acordo com o geógrafo, esse fenômeno ainda não aconteceu pela nova
forma de sustento da maioria das famílias pobres no Brasil: o Bolsa
Família.
“Os benefícios do governo mascaram a situação calamitosa de muitas
regiões do Nordeste. Em muitos locais, já não há mais possibilidade de
cultivo, mas os sertanejos não sentem o impacto porque têm a segurança
da renda do Bolsa Família. É importante refletir sobre isso, porque se
algum dia o Governo tiver que cortar esses benefícios, como no caso de
uma crise financeira, essas famílias vão viver de quê? Vão acabar se
mudando para a zona urbana, o que pode desencadear outra série de
problemas”, conjetura.
Transposição: irrigação incorreta pode aumentar a desertificação
O que é considerado salvação para os filhos da seca nordestina, pode aumentar ainda mais a desertificação do solo. Para alguns pesquisadores, a transposição do Rio São Francisco é considerada perigosa, caso os agricultores não sejam instruídos sobre a forma correta de irrigação. “Se o processo não for muito bem acompanhado, pode ser um desastre para alguns lugares”, argumenta o geógrafo Bartolomeu Israel de Sousa.
O que é considerado salvação para os filhos da seca nordestina, pode aumentar ainda mais a desertificação do solo. Para alguns pesquisadores, a transposição do Rio São Francisco é considerada perigosa, caso os agricultores não sejam instruídos sobre a forma correta de irrigação. “Se o processo não for muito bem acompanhado, pode ser um desastre para alguns lugares”, argumenta o geógrafo Bartolomeu Israel de Sousa.
Segundo o especialista, a irrigação feita de forma equivocada, ou seja,
por alagamento, provoca a salinização. “Na cabeça de muitos produtores,
o problema é a falta de água. Mas se não fizer da forma correta, vai
degradar ainda mais, porque o sal está no solo”, explica. Por incrível
que pareça, o ideal é evitar irrigar nesses lugares.
Existem outros meios que permitem a recuperação dessas áreas - como as
usinas de dessalinização -, mas são muito caros. “Não é uma tecnologia
disponível do ponto de vista financeiro para os pequenos produtores, que
na verdade, são a grande maioria”. Na Paraíba, os locais mais
salinizados estão localizados próximos a açudes, como em Boqueirão, São
Gonçalo e Condado. Os agricultores puxam a água do açude e irrigam as
áreas próximas de qualquer forma, ávidos por colher algo. A forma
correta é por gotejamento, que, por sinal, é a mais cara. Esse sistema
derrama água em apenas uma parte do local, reduzindo a superfície do
solo que fica molhada.
Depois de décadas sendo renegada pela ciência e órgãos do meio
ambiente, a caatinga entrará na roda de debates da Conferência das
Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Econômico, que será realizada em
junho deste ano, no Rio de Janeiro. Com o Rio+20 batendo à porta,
estudiosos, governantes e produtores estão mais engajados no combate a
desertificação. Na última sexta-feira, foi realizada a Pré-Conferência
Estadual de Desenvolvimento Sustentável do Bioma Caatinga, em Campina
Grande.
O evento formalizou os comitês estaduais e o documento que será levado
para a Rio+20, com propostas de ações efetivas. De acordo com o
secretário executivo de Recursos Hídricos, do Meio Ambiente e da Ciência
e Tecnologia, Fábio Agra, o documento é uma compilação de debates em
várias audiências públicas realizadas nos últimos quatro anos. “Antes de
ser apresentada na Rio+20, esta carta de reivindicações será levada
para a Conferência Regional, onde será discutida juntamente com
documentos de outros Estados”, explicou o secretário.
Dentre as propostas que constam no documento da Paraíba, estão a
criação do pagamento por serviços ambientais voltados à proteção da
caatinga, em pequenas e médias propriedades (Bolsa Preservação); a
produção de mudas e repovoamento de espécies nativas; a adoção e difusão
de tecnologias para estoque de forragens no período seco; a instalação
de consórcios para construção dos aterros sanitários; e a formação de
consórcio intermunicipal para construção/aquisição de câmaras frias
(bancos de germoplasma) para a conservação de sementes destinadas à
recuperação da vegetação nativa.
Para acabar com a visão do solo rachado, o Governo da Paraíba aposta no Plano Estadual de Combate à Desertificação.
O secretário Fábio Agra afirma que foi aprovado ano passado, um
investimento internacional de US$ 50 milhões para os próximos quatro
anos. “Esse valor tem uma contrapartida do Estado e também do Fundo
Interamericano de Desenvolvimento. Tudo será aplicado em capacitações,
investimentos em pequenos empreendimentos agropecuários e produção de
plantas nativas para recomposição de áreas degradadas. Eu acredito que
as políticas públicas, a universidade e as ONGs estiveram mais próximas
dos agricultores nos últimos anos. O grande trunfo é difundir tecnologia
para que possamos conviver com a seca”, disse.
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