Um dos grandes nomes da pintura da Paraíba, Hermano José comemora neste domino 90 anos de vida dedicada à arte e à ecologia.
Audaci Junior
Audaci Junior
“Eu digo sempre: não peguei a barca de Noé, que veio pra salvar tudo. Peguei a barca do naufrágio, onde não se salva ninguém.
Nos meus 90 anos, o que vivi foi isso”, sentencia o artista plástico
Hermano José. “É obrigação de todo mundo passar para o outro o melhor
que pode. Se puder ajudar, ajude. Estamos todos no mesmo barco. E vai
para onde isso?”
Nascido no ano da Semana de Arte Moderna, neste domingo o paraibano
completa suas nove décadas de vida dedicadas à arte na ativa e vivendo o
momento. “Você tem a consciência que deixou alguma coisa que vale a
pena ser apreciada pelo outro.”
Pintor, gravador, ilustrador, ativista cultural e ecológico, as suas
pinceladas obedeciam as curvas da mãe natureza – a sua melhor ‘modelo
viva’ – retratada na maioria das obras. “A natureza sempre foi meu
assunto mais forte”, concorda. “O que é mais forte que o mar? O que é
mais forte que o céu? É muito fácil levantar um arranha-céu, mas criar
uma árvore para ela ficar alta, grande e bonita é muito mais difícil.”
A musa do artista sempre esteve ao seu lado, desde a sua infância em
Caiçara, no Brejo paraibano, onde apreciava as grandezas de “duas forças
da natureza” representadas pela Pedra do Pão de Açúcar e pelo Rio
Curimataú. No começo dos anos 1930, do interior para a capital, aos 11
anos, a paixão à primeira vista foi o ponto mais oriental das Américas, a
barreira do Cabo Branco, onde Hermano não parou de pintá-la até 1956,
quando se mudou para o Rio de Janeiro.
Na ‘Cidade Maravilhosa’ acolheu artistas pupilos que carregam seus
ensinamentos, a exemplo dos conterrâneos Miguel dos Santos e Flavio
Tavares. Viu o Museu de Arte Moderna (MAM) nascendo, em 1948, e se
envolveu em um novo ofício: as gravuras em metal, onde conquistou o
mundo. Uma dessas obras faz parte do acervo do Museu Metropolitano de
Nova York, nos Estados Unidos.
Para o artista, a sua pintura nos anos 1950 – onde não sabe quantas
vezes retratou a falésia do Cabo Branco – e as gravuras metálicas nos
anos 1960 são suas melhores fases artísticas.
Atualmente, Hermano José está pintando figuras mais geométricas,
prismáticas e abstratas porque está “vivendo mais isso” (há um ano
lançou a exposição inédita As Cores que Pulsam, em João Pessoa). O
senhor de 90 anos que presenciou e ‘documentou’ a natureza ainda fica
indignado com o descaso dos avanços das “florestas de pedras” dos
edifícios ‘espigões’ e a poluição sonora dos “acadêmicos da
mediocridade”, representados pelos carros ‘paredões’ de som na orla
perto de sua residência, no bairro do Bessa.
Em muitas tonalidades que saíram da paleta do artista plástico se
preservou na sua memória e nas suas telas, mas também se perdeu na
moldura da realidade. “As lembranças estão por aqui, principalmente na
época que achou que foi melhor do que hoje.”
FARSA KRAJCBERG
Na sua trajetória, Hermano José representou as alamedas do Centro Histórico, o vesúvio das depressões naturais, o bucolismo dos engenhos, a mágica circense, entre tantos outros elementos.
Na sua trajetória, Hermano José representou as alamedas do Centro Histórico, o vesúvio das depressões naturais, o bucolismo dos engenhos, a mágica circense, entre tantos outros elementos.
Há 4 anos, o militante da preservação ecológica do Cabo Branco viu o
ecossistema acima da falésia dar lugar à Estação Ciências, complexo
arquitetônico criado pelo carioca Oscar Niemeyer, o arquiteto que
“encheu Brasília de concreto armado”.
“Trocar um projeto de um paisagista de fama internacional (do
paulista Roberto Burle Marx nos anos 1970) por um projeto já decadente
de Niemeyer, que nem ele sabe onde foi feito, deu naquilo: em cima da
barreira, caindo tudo e que cada vez se constrói mais.”
Apesar de achar outras obras de Niemeyer bonitas, como a Catedral de
Brasília e o Itamaraty, Hermano nunca foi conferir o que fizeram com uma
de suas modelos mais pintadas. Muito menos visitar a exposição Natureza
Extrema, do ecologista de renome internacional Frans Krajcberg, alojada
no novo anexo do local, a Estação das Artes.
“Eu acho que ele (Krajcberg) é um falso. Um polonês que chegou ao
Brasil sem nada e hoje é rico”, critica. “Nós estamos vivendo uma farsa,
em todos os sentidos.”
O paraibano teme que lugares explorados turisticamente como a Praia
do Jacaré, no Litoral Norte – paisagem que frequenta atualmente – perca
suas características naturais ao longo do tempo.
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