Quase 9 anos após a desativação, o terreno que deveria ser área de preservação ambiental, permanece cercado de sujeira.
Nathielle Ferreira
Coberta por uma manta rosa, a pequena Raiana dormia enquanto era trazida, nos braços, pela mãe. Com apenas dois dias de vida, a menina chegava da maternidade e era levada, a passos lentos, para um casebre feito de papel e madeira. Nova moradora da área onde funcionava o antigo lixão do Róger, a criança é a prova viva de um projeto que não saiu totalmente do papel.
Desativado em 2003, o lixão do Róger deveria ter sido substituído por
um parque, com a presença de árvores e outros tipos de vegetação. O
terreno, que possui 17 hectares, teria que se transformar numa área de
preservação ambiental, onde o verde cobrisse a cor escura deixada pelo
lixo. No entanto, passados quase nove anos, a imagem do local ainda está
longe de ser igual à de um parque.
Apesar de não receber mais lixo e ser cercado por um muro de quase
três metros de altura, o terreno permanece cercado por sujeira. Mato,
esgoto a céu aberto e insetos dividem o mesmo espaço com famílias
carentes que voltaram a ocupar a área, após a desativação do lixão. Elas
entraram na área por uma fenda, aberta no muro.
Já são mais de 50 casebres construídos, um ao lado do outro. Todos, sem nenhuma condição mínima de segurança.
Abastecidos por ligações clandestinas de água e de luz, os barracos
foram feitos com lata, papelão, pedaços de tábua e outros materiais
retirados do lixo. Precárias, as construções não impedem a entrada da
água e as moradias são inundadas a cada período chuvoso.
Os moradores, desempregados, vivem exclusivamente de programas
sociais, como o Bolsa Família, e da coleta de resíduo reciclável, que é
feito nas ruas. “Ganho R$ 200 com a reciclagem.
A minha mulher recebe outros R$ 100 do Bolsa Família e assim a gente
vai vivendo. Não dá para pagar aluguel, não”, lamenta Raimundo dos
Santos, pai da pequena Raiana.
“Até para trazer a menina da maternidade, tive que arrumar dinheiro
emprestado. Essa roupinha aí que ela 'tá' usando é a única que ela tem. É
muito sofrimento”, desabafa.
Raiana é a sexta filha da dona de casa Maria das Graças da Silva e a
quarta criança da família que nasceu após a mudança para o local do
antigo lixão.
Com 29 anos, a jovem conta que veio morar no local há seis anos. Ao
lado dela outras 100 pessoas, a maioria crianças, também habitam no
ambiente e dividem o mesmo sofrimento. As crianças, descalças, são
vítimas de doenças de pele. Muitas estão com feridas abertas nos pés e
pernas. A única esperança de uma vida melhor vem da escola, para onde as
crianças vão todos os dias, apesar das dificuldades.
“Para a gente, nada mudou. Ou melhor, acho que piorou. Quando existia
o lixão aqui, pelo menos, a gente tinha o que catar e do que viver.
Agora, nem isso existe mais. Temos que sair às ruas, coletando material
reciclável para poder viver”, conta Lindinalva da Conceição, que tem 60
anos de idade e nunca trabalhou de carteira assinada. “Sempre vivi do
que retirava do lixo”, afirma.
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