sexta-feira, 27 de julho de 2012

No calor da indústria do gesso, a ruína da caatinga no Nordeste

Autor(es): Cleide Carvalho
O Globo - 22/07/2012

Em toda a região, 30% das empresas usam lenha como fonte de energia; adesão a planos de manejo ainda é baixa

SÃO PAULO . No Araripe, na divisa de Pernambuco com Piauí, está o maior polo gesseiro do país. Com o incentivo à construção civil, as fábricas estão a pleno vapor e respondem por 95% da produção nacional. A notícia é boa. Mas o sertão nordestino, que a maioria só ouve falar em tempo de seca, segue palco de contradições. Os fornos das fábricas são, em maioria, movidos a lenha. É assim também em boa parte do polo têxtil de Toritama, em Pernambuco, onde as caldeiras que tingem tecidos fervem sob estalos de madeira, ou no Seridó, entre Rio Grande do Norte e Pernambuco, onde olarias produzem tijolos e telhas para toda a região. No Nordeste, hoje, 30% das empresas usam a lenha como fonte de energia.

Por ano, são queimados 25 milhões de metros cúbicos de lenha no Nordeste, o que equivale a desmatar 2.500 km², mais que o dobro da cidade do Rio de Janeiro. Pouca gente se incomoda com isso. Primeiro porque não se tem outra fonte de energia barata. O problema, como diz o sertanejo, é que não se planta um pau. O que queima nos fornos é lenha nativa e, pela lei, 20% da mata de caatinga deveriam ser preservados em cada propriedade. No restante o desmate é permitido, com autorização. Mas ninguém leva em conta. Segundo o Serviço Florestal Brasileiro, 94% da lenha é ilegal, cortada e queimada sem qualquer tipo de controle.

Numa região onde o sol esturrica o solo, o risco é a desertificação. O Nordeste possui hoje quatro núcleos de desertificação, onde a terra, explorada sem qualquer preocupação em preservar alguma coisa, ficou quase estéril. São 18.432 km² na região do Seridó (RN e PB), Irauçuba (CE), Gilbués (PI) e Cabrobó (PE). Pelo menos outros 98 mil km² são considerados em situação muito grave pelo Programa de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos na América do Sul, o que equivale a 10% do semiárido.

Este ano, o Ibama já realizou várias operações para conter o desmatamento ilegal na caatinga. Na Paraíba, onde Cariri e Curimataú são as áreas mais degradadas, foram embargados 195,5 hectares em 23 propriedades. No Oeste da Bahia, foram apreendidos mourões, estacas e carvão vegetal ilegais. No sertão do Araripe, em Pernambuco, o embargo atingiu 547 hectares durante a Operação Borborema, em desmate ilegal nos municípios de Ouricuri, Granito e Arcoverde, onde a lenha abastece fornos de produção de gesso.

Falar em semiárido e caatinga é quase sobrepor mapas. A caatinga ocupa 850 mil km² em nove estados - 11% do território brasileiro. Apenas 5%, ou 85 mil km², são Áreas de Proteção Permanente, segundo dados do Serviço Florestal Brasileiro, ligado ao Ministério do Meio Ambiente.

Apesar de o bioma caatinga ser pouco estudado, sabe-se que reúne cerca de 930 espécies de plantas, 148 de mamíferos e 510 de aves. A região abriga 30 milhões de pessoas, recebendo o título de semiárido mais habitado do planeta.

Assim como os animais, as plantas são fortes. Se cortada a 30 centímetros do chão, mesmo com pouca chuva, a mata começa a rebrotar em nove meses. Mas, mesmo assim, para que a caatinga não vire deserto, seria necessário que o corte, numa mesma área, fosse feito a cada 15 anos. O drama do Serviço Florestal Brasileiro, responsável por disseminar o manejo na região, é que, além do desmate, as criações de gado, ovino e caprino também estão dizimando a flora. Os brotos, quando despontam, são comidos pelos animais.

- Todas as fazendas no sertão tem uma carga animal maior do que poderia ter - diz Frans Pareyn, da ONG Associação Plantas do Nordeste.

Para se ter uma ideia, para que a caatinga não fosse degradada, cada hectare de terra com mata nativa poderia comportar de 10 a 12 cabeças de gado. Se a caatinga já estiver raleada ou rebaixada (quando corta a árvore e mantém o toco, para que rebrote), esse número cai para algo entre dois e quatro.

Com a mudança climática mundial, a seca na caatinga só tende a piorar. Este ano, praticamente não choveu. Se há água de cisternas para beber, falta para os animais e para irrigação, o que perpetua a pobreza. Sem cultivo e sem animal, o sertanejo vende o que sobra. E, na maioria dos casos, o que sobra é a lenha. O preço, que na indústria chega a R$ 30 o metro cúbico, na propriedade não passa de R$ 10. O ganho fica no transporte.

A meta do governo é implantar o manejo florestal em uma área equivalente a 7% do bioma.

- A lenha da caatinga sobrevive à seca e, mesmo com atravessador, rende um bom dinheiro. É por isso que precisa ter o manejo - alerta Newton Barcellos, chefe da Unidade Regional Nordeste do Serviço Florestal Brasileiro.

Desde 2006, o Ministério do Meio Ambiente financia programas de manejo, mas a adesão ainda é baixa. Este ano, os recursos são maiores e somam R$ 8 milhões. O Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal (FNDF) e o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (FNMC) trabalham para implantar o manejo na região do Seridó, Médio Sertão e Cariri Ocidental, na Paraíba, e do Sertão do Apodi, no Rio Grande do Norte. Além de ensinar a técnica aos agricultores, é preciso incentivar e financiar indústrias na modernização de fornos para gerar o mesmo calor, com menos lenha.

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